Percilio respirou profundamente aliviado, ele não entendia como o pai tinha lido seu pensamento, o fato de ele ter se referido a Claudius como “o feiticeiro” tinha lhe causado um grande incômodo, mas ele se retratou sem ao menos uma palavra ter sido dita. A certeza que energias do bem conspiravam para que o futuro se delineasse sem atritos, pairava no ar.
Depois de mais alguns detalhes serem acertados, Percilio saiu satisfeito, sentindo uma leveza que a muito não sentia, entendeu perfeitamente que Claudius, de agora em diante, seria mais um colaborador do edificante trabalho que estava por se intensificar, por outro lado, uma dívida de amor começaria a ser quitada.
Os dois rapazes aguardavam impacientes o retorno do líder da Comunidade. Rafael havia examinado a perna atingida pela picada, tinha concluído que breve ela estaria totalmente recuperada. Cirilo sentia uma certa inquietação, as poucas vezes que tinha ouvido Jonas se referir a Claudius lhe tinha deixado uma impressão de pouca simpatia. Após cerca de duas horas, finalmente vislumbraram a figura de Percilio que se aproximava.
Assim que saiu da caverna de Jonas, o rapaz foi ter com Hipólito, explicou tudo que tinha acontecido e pediu que ele acolhesse Claudius em sua caverna. O velho nativo ficou radiante de ter o privilégio de receber um velho amigo, sentiu claramente que daria acolhida a alguém que já tinha partilhado com ele outros lares. Imediatamente começou a preparar o local para que o novo companheiro pudesse ter todo o conforto possível.
O velho alquimista saudou o retorno do filho, dizendo:
– Ainda bem Percilio que você chegou, estava muito preocupado com a possibilidade de ter que voltar para Semiris.
O líder da Comunidade esboçou um sorriso cordial, respondeu:
– Salve Claudius, se apronte que a partir de hoje você tem muito trabalho pela frente, ou está pensando que vai morar na Grande Pedra e ficar só descansando?
Cirilo e Rafael perceberam que a apreensão que estavam sentindo, não tinha razão de ser, com certeza, Jonas havia concordado de bom grado em receber Claudius como um novo morador da Comunidade. Se aprontaram rapidamente e iniciaram a rápida caminhada que os separava de seu destino, a Grande Pedra.
Jonas os aguardava na plataforma de areia, assim que Percilio saiu ele teve fugidias lembranças de um tempo indetectável em sua memória mais que pareciam absolutamente atuais, se viu em diversos momentos se aconselhando com um Sacerdote que por incrível que parece sempre lhe remetia a Claudius. Um minuto de reflexão foi o suficiente para que toda a ingratidão que sentia pelo casal que acolheu seu filho em um momento em que ele já se encontrava no limiar da morte, desaparecesse. Orou para que o Grande Deus o direcionasse através do caminho do bom senso. E assim, totalmente revigorado pelo desejo concreto de seguir sem carregar sentimentos ruins, Jonas pediu que Mariane preparasse uma bela refeição para receber o novo morador da Comunidade e saiu para esperar o retorno de seu filho.
Assim que Percilio visualizou o pai os aguardando, sentiu uma onda indescritível de alivio, mesclado com um profundo agradecimento aos seres invisíveis que a todo momento ele captava e sabia estarem sempre a postos para intuí-lo. Claudius sorriu internamente, dando graças a Sara que lhe dizia que seu lugar era ao lado do filho que tanto amaram.
Ficou acertado que assim que se recuperasse, o alquimista se juntaria a Percilio no trabalho de assistência aos doentes do corpo, da mente, do espírito. Aos trinta e cinco anos, o filho de Jonas iniciaria uma nova etapa de sua vida, preparada pela espiritualidade para que neste momento pudesse ter todas as ferramentas necessárias para o bom êxito de sua tarefa. Os primeiros dias após a chegada de Claudius transcorreu sem maiores percalços, Percilio continuava se dedicando à plantação, aguardando que alguns detalhes fossem resolvidos antes que ele anunciasse à Comunidade sua decisão de abandonar a lida em prol dos atendimentos aos doentes.
A postura de Jonas causou muitos comentários maldosos por parte da família e dos amigos de Raquel e suas filhas, inclusive Mirtes. Diziam que um outro morador poderia colocar em risco a segurança de todos, e em especial, alguém que sabidamente lidava que ervas desconhecidas e muitos diziam que era um feiticeiro. Laurinha achava que Jonas impediria a pretensão de Percilio de trazer seu segundo pai para morar na Comunidade, mas se enganou. Este fato, fomentou ainda mais a dissenção entre as famílias, mas o que ninguém sabia é que uma horda de espíritos de baixa vibração rondava todos os moradores, um simples pensamento de orgulho, discriminação, inveja, já era suficiente para atraí-los e colocar ainda mais acontecimentos nefastos no dia a dia de todos.
Mas Percilio estava alerta, todos pensavam que ele não dava muita importância as agruras que permeavam o relacionamento de amigos que no passado fizeram um pacto de ajuda e boa convivência, o que ocorria era que cada um tinha uma tarefa a ser feita, e esta tinha relação direta a abandonar posturas que não se alinhavam com o que o Grande Deus esperava de cada um deles.
Assim que tudo se ajeitou, Percilio foi ter com Claudius para uma conversa que mudaria os rumos dos acontecimentos que estavam por vir. Fazia dois dias que o alquimista tinha chegado à Grande Pedra, tempo suficiente para ter ideia da dificuldade que seria conviver com tanta gente, afinal, nos últimos vinte anos, a única companhia constante tinha sido Sara, e mesmo assim, o trabalho na floresta em busca de matéria prima para seus preparados, era, na grande maioria da vezes, solitário. O nativo Hipólito o colocou à par do perfil de cada um dos moradores a fim de que tivesse assunto para passar o tempo. Durante estes dois dias, Claudius não se levantou uma única vez, a ferida exposta causada pela mordida da cobra ameaçava infeccionar, e, aconselhado por Rafael, fez repouso absoluto. Naquela manhã, Percilio foi avisado que o restabelecimento de Claudius era uma questão de poucos dias, pois ele já estava bem melhor, então, decidiu fazer uma visita. Até aquele momento, ele evitou maiores contatos para que os comentários maldosos não tivessem motivo para se espalhar.
Chegou sem avisar, bateu na porta da caverna, feita de madeira rustica que apenas evitava que se visualizasse seu interior, quando viu de quem se tratava, Hipólito, sorridente pediu que Percilio entrasse, ao vê-lo, Claudius esboçou um largo sorriso, disse:
– Salve grande filho, ou melhor, grande amigo, pensei que estivesse se esquecido deste velho inválido.
O rapaz se aproximou lentamente sentou-se ao lado do enfermo, disse:
– Claudius, a pedido de seu grande amigo Dr. Alecsander, eu demorei para vir te ver, mas sempre soube de notícias à respeito de seu restabelecimento.
Um quê de estranheza pairou no ar, Hipólito imaginou que Percilio havia se enganado ao se referir ao médico como que se ele ainda vivesse. Perguntou com ares de gozação:
– Rapaz, você está misturando tudo, Dr. Alecsander já está na casa do Grande Deus, como ele pode ter te pedido alguma coisa?
Percilio soltou uma gostosa gargalhada, dizendo:
– Ora Hipólito, você sabe muito bem que os mortos podem falar com os vivos, lembra-se de quando sua falecida esposa mandou um recado para você através de Anita?
O nativo levou um choque, relembrou a cena imediatamente. Anita, deitada na cama, ardendo em febre, disse:
– Raina me pediu para te dizer que tem muito orgulho de você e que o dia que eu me for, você deve começar a se preparar para ajudar meu pai em uma grande missão que breve ele terá que fazer.
Os olhos de Hipólito se encheram de lágrimas, a lembrança da menina o fazia relembrar daqueles dias que antecederam seu falecimento, mas mesmo assim, enxugou as lágrimas, aprumou o corpo, respondeu:
– Perdão Percilio, foi só uma brincadeira, eu sei muito bem que os mortos podem sim se comunicar, até mesmo Celeste já me deu notícias de Raina. O que eu não sei é como alguns podem fazer isso e outros não, pelo visto você é um dos que podem conversar com os mortos.
continuação…