CAPÍTULO 10
A VIDA SEM ANITA
O tempo passou rápido, faziam três meses que Anita já tinha partido, quando numa bela manhã de sol, algo desestruturou a tranquilidade da Comunidade. Apesar da séria decisão de deixar a Grande Pedra, Mirtes acabou voltando como se nada tivesse acontecido. No dia seguinte ao enterro de Anita ela entrou sorrateiramente em sua caverna, deitou-se na cama, aguardando a chegada de Percilio. Assim que o dia se findou e todos os homens retornaram da lida, o rapaz subiu exausto para sua caverna, e o que viu o deixou muito preocupado. Mirtes parecia morta, estava lívida e não se movia.
Apesar da preocupação inicial, seu desaparecimento foi creditado a tristeza pela morte da filha e todos tinham certeza que ela voltaria, apenas Percilio e Jonas sentiam que ela poderia estar arrependida da maneira com que tratava a menina e talvez estivesse tentando refletir e redimir-se das atitudes tão duras que sempre se armava para se dirigir a Anita. Percilio se aproximou receoso, imaginando que ela estivesse passando mal. Assim que o viu, Mirtes abriu um largo sorriso e disse:
– Estava te esperando meu amor, agora que aquela morreu, você pode voltar a ser meu.
Neste momento, um arrepio percorreu a espinha de Percilio, ele percebeu claramente que a esposa estava sob a influência de energias ruins, tal o mal-estar que o acometeu.
Respondeu ríspido:
– Aquela menina maravilhosa era nossa filha, e eu jamais permitirei que você se refira a ela desta maneira!
Mirtes prosseguiu sorrindo como se não tivesse ouvido a reprimenda do marido. Levantou-se lentamente e tentou abraça-lo, o qual a repeliu com um empurrão. A partir daquele dia era visível a decadência da jovem senhora, ela desaparecia, e quando voltava se comportava como se estivesse isenta da razão.
Naquela manhã de primavera, quando o sol irradiava todo o seu esplendor, banhando a Grande Pedra com seus raios dourados, aquecendo tudo ao redor, Mirla saiu cedinho, acompanhada dos filhos e dos sobrinhos, para colher amoras silvestres que seriam transformadas em compotas que alegrariam as refeições das crianças da família. Assim que se afastou alguns metros da plataforma de areia, um grito estridente foi ouvido vindo do interior de uma das cavernas, ela se voltou assustada, pediu que as crianças ficassem onde estavam e fez o caminho de volta correndo. No caminho encontrou Mariane e Ana que também tinham ouvido a voz de mulher vinda da plataforma superior, naquele momento, uma balburdia se formou, as crianças, entre elas Sibila, não obedeceram a ordem de Mirla e correram atrás dela, outros moradores também começaram a escalar a íngreme escada que dava acesso ao local de onde vinham os gritos, que prosseguia, cada vez mais assustadores. Sibila disse assustada:
– É mamãe, corram, que ela deve estar se matando!
A preocupação da menina não era sem fundamento, depois da morte de Anita, Mirtes já havia tentado contra a própria vida por duas vezes, cortando o pulso e se jogando no mar. Nas duas ocasiões foi salva pelas mãos do nativo Hipólito, que atendia ao pedido feito por Anita no seu leito de morte, que implorou que ele cuidasse de sua mãe, mas naquele dia, só se encontravam na Grande Pedra, as mulheres e as crianças, pois todos os homens tinham ido à plantação colher algodão, e este era o único trabalho que Hipólito conseguia fazer, por ser leve e não demandar forças nas pernas.
Felizmente a apreensão de todos era sem fundamento, assim que o grupo de mulheres entrou na antiga caverna de Joninho, se depararam com Mirtes olhando fixando para a parede dos fundos, absolutamente imóvel, naquele momento ela já não mais gritava, parecia hipnotizada por algo que só ela podia ver. Carinhosamente Mirla se aproximou e a conduziu até a cama, Sibila correu para pegar um copo de água, Mariane e Ana sentaram-se ao seu lado. Segurando em sua mão direita, Ana disse:
– O que aconteceu Mirtes, por que você estava gritando daquele jeito?
Com muita dificuldade, a esposa de Percilio falou:
– Minha mãe, ela estava ali. Virou-se apontando para a parede dos fundos da caverna.
– Tenho certeza que ela veio me dizer que eu sou uma filha ingrata que inventou muitas mentiras sobre ela.
Sem entender o assunto, Mariane arriscou:
– Cunhada, sua mãe já mora em outro lugar, você deve estar com saudades dela, por isso teve a impressão de tê-la vista.
Mirtes olhou para ela, com os olhos injetados de sangue, os lábios crispados, denotando que não tinha gostado da colocação de Mariane. Rapidamente Sibila veio ao seu auxilio:
– Mamãe, eu vou ficar com você até papai chegar, fique calma, se vovó voltar novamente, nós conversamos com ela.
Este era o único jeito de acalmá-la, não ir contra suas afirmações. Mariane saiu, levando com ela uma profunda impressão que Sibila, apesar da pouca idade, tinha muito mais conhecimento dos desiquilíbrios de Mirtes que ela. Tanto Mirla, quanto Ana, e as outras mulheres que naquele momento lotavam a caverna da família de Percilio, acompanharam Mariane, apenas Celeste ficou, a pedido de Sibila e autorizada por Ana, que sabia que as duas meninas tinham uma sinergia difícil de ser entendida mas que a grosso modo se revertia em um apoio incondicional nos momentos de dificuldade. O que ninguém sabia é que além das duas meninas outra menina também estava presente ao lado da mãe: Anita.
A “visão” que Mirtes disse ter tido, na verdade foi uma confusa conclusão de sua mente em desiquilíbrio. A muito, uma mentira pregada em seu marido, denegrindo a conduta de Sibele enquanto vivia, martelava em sua cabeça, uma voz a acusava de manchar a memória de sua mãe em prol de esconder suas próprias atitudes. Mirtes não tinha capacidade de visualizar sua filha Anita, que sempre a acompanhava, nem “ouvir” os direcionamentos de seu mentor, devido a vibração de seu espírito que não encontrava alinhamento com as forças do bem. No mundo invisível, travava-se um embate entre forças do bem e energias de baixa vibração trazidas por antigos desafetos. A esquizofrenia, diagnosticada desde quando Mirtes era uma simples adolescente estava totalmente equivocada. Naquela época, como nos dias de hoje, se ignora o viés espiritual que é o responsável por grande parte dos sintomas dos indivíduos tachados de esquizofrênicos.
Durante uma meia hora após a saída das tias, as meninas ficaram em absoluto silêncio, apenas orando mentalmente para que Mirtes se acalmasse. Aos poucos, ela foi relaxando e finalmente caiu em um sono profundo. Assim que tiveram a certeza que ela realmente estava dormindo, as garotas saíram pé ante pé e foram até a caverna de Mirla que ficava ao lado. A tia tinha desistido de apanhar amoras e aguardava notícias do estado da cunhada. Sibila falou primeiro:
– Tia, minha mãe está melhor, agora dorme como um anjo.
Mirla respirou aliviada, desde que seu irmão voltou a morar na Grande Pedra ela tinha sonhos constantes com seu avô, que lhe pedia para não se esquecer que Mirtes não tinha culpa de ser como era. Ela chegou a conversar com Albertinho a este respeito, não conseguia entender como uma mãe podia desprezar tanto uma filha, a ponto de não demonstrar nenhuma dor quando o Grande Deus a tira do convívio dos seus. O rapaz disse que tinha certeza que havia uma relação direta com as sombras que ele sempre via acompanhando a esposa de Percilio, ele chegou a dizer, que só quando as meninas estavam perto dela, as sombras escuras desapareciam. E era exatamente nisso que Mirla pensou quando a sobrinha acabou de dizer que a mãe dormia como um anjo, respondeu:
– Com certeza foi o anjo chamado Sibila que a acalmou!
Olhou para Celeste, disse carinhosamente:
– E o anjo Celeste ajudou!
continuação…