CAPITULO 9
SENDO PAI, SENDO IRMÃO
Um mês se passou rapidamente, Hipólito, já muito melhor, decidiu morar em definitivo na Grande Pedra, movido por uma grande afeição que passou a cultivar pela família Massina e seus amigos. De início, houve algum protesto por parte de Luizinha que disse que a Comunidade carecia de mais espaço para os próprios moradores e não se podia acolher um desconhecimento em detrimento a outros membros da Grande Pedra que viviam apertados em cavernas superlotas como era o caso de parte de sua família, mas Percilio foi taxativo: a antiga caverna de seu tio Atílio e que durante todos estes anos serviu de depósito de ferramentas, seria desocupada e destinada ao velho nativo.
Nos últimos anos, Luizinha tornara-se uma opositora ferrenha a todas as decisões do líder da Comunidade, algo parecia induzi-la a agir assim, de início, o forte sentimento de proteção a irmã mais nova parecia ser a motivação para tal conduta, mas depois da morte de Joninho, um amargor profundo a invadiu, chegando até mesmo a incomodar seu marido Laercio, que um dia desabafou com Percilio dizendo que sentia saudades da jovem doce e serena pela qual ele se apaixonou.
Percilio por sua vez, intuído por Dr.Alecsander e também por Menéas, que agora estava livre do corpo físico que carregou durante a última vida como August, tentava montar o quebra cabeças que se apresentava diante dele. Estudava cada atitude de seu irmão Lêntulo e também de Luizinha, pois sabia que o comportamento atual da esposa de Laercio não poderia ser creditado à jovem sensata de antigamente.
August faleceu a alguns meses atrás, vítima de um ataque de maribondos enquanto buscava folhas de malva para suas infusões. Seu corpo ainda jazia na floresta. Seu desaparecimento não causou grande estranheza, ele costumava caçar pelas redondezas e não tinha o costume de avisar ninguém, mesmo porque, sua casa era retirada e o vizinho mais próximo estava a vinte minutos de caminhada de distância.
Na noite do desencarne, Percilio passou a noite em claro, por mais que tentasse não conseguia pegar no sono, assim que fechava os olhos, cenas de lugares desconhecidos invadia sua mente. Esta agonia durou muitas horas, até que em um dado momento ele ouviu uma voz que lhe pareceu muito familiar. Apesar de tentar ignorá-la não conseguiu, a voz dizia:
– Percilio, a partir de hoje me desfaço do corpo que durante tantos anos me impediu de enxergar a realidade que invade outras dimensões com a clareza que permite entender o por quê de vivermos e morrermos. Tenha calma, não se afobe, eu o auxiliarei a curar os males dos doentes que sofrem ataques energéticos invisíveis, enquanto Dr. Alecsander prosseguirá te auxiliando a curar os males do corpo.
Após estas orientações vinda de um lugar impossível de mensurar a distância, Percilio começou a serenar sua inquietação. Orou para que o Grande Deus protegesse os seus amigos e familiares, e não se esqueceu de agradecer o amigo invisível que o auxiliaria a curar Lêntulo, seu irmão caçula. Luizinha, com certeza, também se veria livre desta interferência que mexia com seu humor e a deixava a mercê de atitudes incoerentes e ríspidas.
Apesar do prometido, o alquimista Claudius não conseguiu ir até a Grande Pedra como orientou Hipólito a dizer para Percilio. Naquele ano, a estação das chuvas se antecipou deixando o caminho até Semiris totalmente intransitável. Sara ficou muito triste, desde a partida de Naim, ela nunca mais foi a mesma, o frescor da juventude a abandonou muito rapidamente, seus cabelos embranqueceram e sua tez rosada já dava ares de uma pele carcomida pela idade. Quando o marido a informou que a levaria para visitar seu filho, ela não coube em si de contente, chegando até a preparar compotas de amoras silvestres para presenteá-lo, mas a natureza não colaborou, já faziam quatro semanas que a chuva não dava tréguas, fazendo com que a vida praticamente parasse, não havia como procurar matéria prima para os remédios e unguentos que Claudius preparava, nem tampouco plantar ou até mesmo pescar.
Na Grande Pedra o cenário não era diferente, até mesmo os trabalhadores diminuíram o período na lida devido à falta de segurança, o lamaçal era traiçoeiro e muitas vezes acabava por imobilizar os movimentos de um homem jovem e forte. Era nestes períodos que os moradores, em especial as crianças, buscavam o que fazer sem ter que se expor a chuva e aos ventos que invariavelmente a acompanhava. As três amigas inseparáveis, Anita, Sibila e Celeste, neste ano, descobriram uma nova diversão para estes dias de confinamento, sentar-se ao lado do acamado Hipólito e ouvi-lo contar histórias passadas na sua infância, muitas delas, lendas inventadas por antigos moradores de vila Cantar.
A lenda que as três meninas mais gostavam era sobre um pescador que um dia pescou um peixe dourado, tão lindo que ofuscava a vista. Assim que apareceu acima da lâmina de água, o grande peixe olhou firmemente para o pescador e disse: – Eu sinto dores assim como você, tenho que me alimentar para sobreviver, assim como você faz, mas o que ninguém sabe, é que o Deus grandioso me disse que a minha missão era servir de alimento aos homens, para que estes pudessem prosseguir vivendo em busca de se tornarem cada vez mais crentes no imenso amor que o Grande Deus dispensa a todos eles.
As três meninas ficavam emocionadas cada vez que Hipólito repetia esta lenda, a crença no Deus grandioso se tornava cada mais solidificada no espírito de cada uma delas, apenas Anita, que por ser a caçulinha, às vezes, se arriscava a dizer:
– Mas se os peixes sentem dor, assim como nós sentimos, eu acho que não devíamos comê-lo.
Prontamente, Sibila tinha uma resposta:
– Ora, é claro que o Grande Deus tem um jeito de fazer com que ele desmaie antes de sentir dor.
Nestas horas, era Celeste que expunha sua opinião e que na maioria das vezes não havia como contestar:
– Mamãe disse que foi o Deus grandioso que criou tudo, e cada coisa tem um objetivo, as árvores dão frutos e sombra; o mar, permite que os peixes possam sobreviver e os peixes existem para servir de alimento ao homem, assim como o peixe dourado disse para o pescador.
Hipólito se deliciava com a companhia das três meninas, durante toda a vida desejou muito ter filhos, o que nunca conseguiu, depois da morte de sua esposa, por duas ocasiões pensou em se casar novamente mas retrocedeu toda vez que sua consciência o acusava de ter sido o responsável pela morte de Raina.
Neste dias de recuperação e auxiliado pelo mal tempo, Hipólito teve a certeza que as três meninas vieram até ele para alegrá-lo. Durante este período, em diversas ocasiões, ele sonhou com Raina e até mesmo com Mario que lhe diziam para sossegar a consciência, que não havia motivo para pensar que eles haviam morrido por sua culpa. A delicadeza das três meninas o haviam feito concluir que ele estava perdoado, elas lhe transmitiam uma paz que jamais havia sentido antes.
continuação…