Mykonos-48

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   Nael pensou um pouco e disse com muita certeza:
   – Mesmo assim quero me casar com Mirtes, quem sabe ela melhora e esta doença nunca mais se manifeste.
   O velho feiticeiro tinha certeza que esta seria a decisão de Nael, mas mesmo assim insistiu:
   – Você sabe que muitos doentes me procuram em busca de medicação e unguentos para seus males, eu já vi muitas pessoas que padecem deste mal e nunca vi ninguém que tenha sarado, pelo contrário, com o tempo, as crises se tornam mais frequentes e graves. Sem contar que os filhos podem herdar o mesmo mal.
   A medida que a conversa se desenrolava, Nael foi ficando cada vez mais agitado e nervoso, suava frio e suas mãos estavam visivelmente trêmulas. Claudius, percebendo que algo de anormal estava ocorrendo, olhou firmemente para Nael e disse em tom autoritário:
   – Pelo visto, existe algo mais que você ainda não me contou. Vá! Pode começar a falar!
   Nael, sem outra alternativa, iniciou em voz baixa.
   – É que ela está esperando um bebê!
   – O quê? Gritou Claudius, sem ao menos olhar para o rapaz, começou a blasfemar, perdendo totalmente o controle.
   Nael se levantou lentamente e começou a caminhar em direção a mata fechada.
   Claudius, percebendo que se perdesse a calma não conseguiria resolver uma situação tão complicada, foi atrás do filho e pediu que ele o ouvisse um momento. Nael obedeceu de má vontade, queria mesmo era desaparecer, de tão envergonhado que estava.
   – Filho, você é um homem, desculpe, a culpa foi minha, eu jamais poderia colocar uma menina da sua idade sob o nosso teto. Quando foi que aconteceu? A quanto tempo ela está grávida? Ou melhor, só pode estar bem no comecinho pois fazem apenas três meses que ela veio morar conosco.
   Nael respondeu com toda a sinceridade que lhe era peculiar.
   – Não sei, só sei que ela me disse que está esperando um bebê e o filho é meu, talvez eu seja sonâmbulo, faço as coisas e depois não me recordo.
   Claudius achou estranhíssima a colocação. É impossível que alguém tenha uma relação carnal com uma pessoa e não se lembre, pensou. Nem lhe passou por sua cabeça que Mirtes poderia estar mentindo. Como fazia gosto que o casamento se realizasse, resolveu apoiar a decisão do filho e ignorar esta história de gravidez. Disse a Nael que se acalmasse, que voltariam para casa e anunciariam as bodas.
   Foi o que fizeram.  Mirtes não cabia em si de feliz, ela sempre desejou se casar com Nael. Inventou que estava grávida para forçá-lo a tomar uma decisão. Desde que chegou, se insinuava de todas as maneiras e Nael não perdia a compostura. Como percebeu que ele era muito ingênuo decidiu chegar ao seu objetivo de outra maneira. Tinha certeza que ele acreditaria e foi o que aconteceu.
   Mirtes sofria de esquizofrenia, uma doença desconhecida na época, os antigos creditavam aos maus hábitos alimentares, às vezes, até a chás alucinógenos  ingeridos durante a gestação pela mãe ou no momento da relação sexual pelo pai, ninguém sabia exatamente o motivo, a única coisa que tinham certeza era que não tinha cura e que o filho poderia nascer com o mesmo mal. Mas a verdadeira explicação é, trata-se de um desiquilíbrio causado por interferências espirituais. Claudius na época, já desconfiava disso, toda vez que tocava alguém em momento de crise sentia calafrios e uma tontura intensa invadia sua cabeça, fazendo com que perdesse o equilíbrio.
   Os preparativos do casamento se iniciaram no mesmo dia.  Sara, de início, ficou muito apreensiva, mas a alegria de Mirtes e Sibele acabaram por contagiá-la, e logo começou a  se envolver com tudo que seria necessário para que o novo casal iniciasse sua vida em comum. Uma outra cabana foi erguida ao lado da antiga. Durante vinte dias, Claudius e Nael se desdobraram entre o trabalho com as ervas e a construção do lar que acolheria seus novos sobrinhos e filhos. Após um mês e meio, tudo ficou pronto, o casamento foi realizado sob as bênçãos do Grande Deus, celebrado por um ancião que fazia as vezes de um sacerdote e era quem conduzia todos os enlaces que ocorriam em Semiris e adjacências.
   Este Senhor, de nome August, era de origem francesa, vivia em uma comunidade próxima de Lagos, tão pobre quanto ela. Chegara a vinte anos atrás em busca de sossego, dizia que precisava se isolar para poder conversar com o Grande Deus. Merriot, o comerciante responsável pela acolhida a Familia Massina no momento mais delicado que viveram antes de se instalarem na Grande Pedra, foi quem o incentivou a se instalar na ilha de Mykonos. Na verdade, August era um professor de teologia em uma Academia de Letras na França. Conheceu Merriot em uma de suas viagens de negócios à sua terra natal. Naquela época, August estava tão desiludido que pensava em se matar. Sua esposa o deixara, levando o filho do casal. Simplesmente desapareceu, sem ao menos deixar um único recado. Ele sempre desconfiou que fora morar com um antigo namorado na Inglaterra.
   August conheceu Merriot através de um aluno da Academia, sobrinho de Merriot. Vincent gostava muito de seu professor, e era um de seus poucos amigos, quando soube que seu tio iria passar uns dias em sua casa para negociar grãos na cidade de Marselha, então decidiu tentar dar um novo rumo na tão combalida vida do amigo. Conversou com Merriot e sugeriu que ele o levasse para Mykonos.
   – Quem sabe, outros ares possam fazer bem ao meu professor. Disse Vincent ao tio.
   Assim que recebeu o convite, August não pensou duas vezes, aceitou de imediato. A muito desejava partir, algo lhe dizia que não havia mais nada a fazer na cidade de Marselha.
   E assim, os dois francesas se tornaram grandes amigos, foi August quem celebrou a cerimônia fúnebre de Alberto, irmão de Jonas e tio de Lucas/Nael. No dia que foi procurado por Lucas e Mirtes, pedindo que fosse até a cabana na mata para realizar a cerimônia do casamento dos dois, ele ficou muito intrigado. Assim que abriu a porta de sua humilde residência e se viu frente a frente com aquele jovem alto, com ares de simplicidade mesclada com uma profunda inocência, sentiu um imediato torpor e uma sombra passou diante de seus olhos, se viu na beira de um rio, de madrugada, dando instruções a um jovem que parecia estar aprendendo a pescar. Após uma fração de segundos, recuperou-se totalmente. Convidou os dois jovens a entrar. Acertaram todos os detalhes da ida de August até o local onde se realizaria as bodas. Assim que a conversa se encerrou, serviu ao casal uma xicara de chá fumegante, e novamente teve a impressão que já havia estado sentado ao lado daquele jovem, sorvendo uma bela caneca de chá.
   August era o médium Méneas, o grande amigo de Aimanon em Constantinopla. Ele sabia exatamente de quem se tratava, alguns dias atrás havia sonhado que um casal o procuraria solicitando que ele celebrasse um casamento que não traria bons fluidos ao noivo, pois a noiva utilizava de artimanhas para obrigá-lo a se decidir pelo enlace. Ao contrário de Menéas, August não conseguia decifrar com precisão as premonições que lhe eram enviadas, isto devido a vida de muitos dissabores vivida em Marselha. Seu espírito ainda não tinha se desvinculado do rancor e da mágoa que sentia da ex-esposa e da saudade do filho que foi levado. Ao observar atentamente o casal, pensou:
   – Bobagem minha! A moça parece tão delicada e sincera. O meu sonho não deve ter nenhuma relação com este casal.
   Mal sabia ele, que desta vez, sua inaptidão em enxergar as mensagens que lhe foram enviadas, condenaria o seu antigo pupilo a uma vida pontilhada de momentos de angustia e desespero.

continuação… 

 

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