Mykonos-43

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                                                 CAPITULO 5
                                     A MENTE SEM MEMÓRIAS
   Lucas tornou-se uma belo rapaz. Alto, forte, olhar sereno, sempre disposto a auxiliar quem quer que fosse. Ele era a antítese da maioria dos jovens de sua idade que viviam na Grande Pedra, estes agiam como se fossem uma máquina de plantar e de colher, não cultivando sentimentos que pudessem despertar o carinho e o amor daqueles que os rodeavam.
   A vida na comunidade mudou muito desde a partida dos quatro amigos. Agora, apenas o trabalho na plantação consumia as preocupações de todos. Desde que Jonas filho se tornara líder, tanto as mulheres como as crianças deixaram aos poucos de estampar na fisionomia a leveza da solidariedade e da união. As disputas por coisa nenhuma eram corriqueiras. Os homens se tornaram rudes e calejados pela vida sem nenhuma perspectiva, a não ser trabalhar hoje para poder comer amanhã. Não havia nenhuma confraternização, não se descansava um dia sequer, a não ser em caso de doença, ninguém estava autorizado a ficar na Grande Pedra no horário do trabalho na plantação, somente as crianças com menos de seis anos e as mães que não tivessem com quem deixá-las. Joninho elegeu Maila para  cuidar das crianças menores da família Massina. Inicialmente, ela esboçou algum protesto, mas como Lêntulo seu filho caçula, com quase sete anos, se recusava terminantemente a trabalhar na plantação; ela decidiu acatar a determinação do filho mais velho. Isto justificaria a atitude do filho mais novo, a alegação era que ele a auxiliaria com  as doze crianças, sendo seis deles seus netos. Três filhos de Joninho e três de Mirla que se casara com Artur, filho de primo José. As outras seis crianças eram filhos de Albertinho e Tales, portanto netos dos falecidos Alberto e Beatriz, que também desencarnara dois anos atrás.
   Ninguém compreendia porque Lêntulo se tornara um menino tão esquivo, comparando-o com Lucas, ele era tímido, arredio e não desgrudava da mãe um só instante, enquanto o outro irmão trabalhava de sol a sol desde os seis anos de idade, e agora, prestes a completar quatorze anos já demonstrava sua força de caráter e muitas vezes era solicitado para mediar alguns embates entre os moradores.
   Jonas, nesta época, já não mais conversava com quase ninguém, até mesmo seus dois irmãos reclamavam de sua atitude, se mantinha alheio a tudo o que acontecia na comunidade. A única pessoa que conseguia fazê-lo relaxar e soltar umas boas risadas era Lucas. Até mesmo Mirla, que sempre fora sua filha predileta, depois do casamento, se via às voltas com a família e mal tinha tempo para visitar o pai. Durante o dia, no trabalho da plantação, Mirla não se afastava do marido, pois temia que este se envolvesse em alguma confusão, pois ultimamente ele já não demonstrava tanta paciência com os desmandos de Joninho.
   Era comum ver pai e filho na plantação, sentados em montes de capim, conversando, no horário das refeições. Jonas confiava muito em Lucas e lamentava que Joninho não tivesse a mesma força de caráter e o mesmo carisma. Tanta proximidade despertava um sentimento que beirava ao ódio, isto não só partindo de Jonas filho como também de Laura, que sempre acreditou que tivesse sido Lucas que convenceu Atílio a partir. Este delírio, teve início no dia que Lucas inadvertidamente disse que o tio partira porque alguém na comunidade o atormentava. Na época que tudo aconteceu ele era apenas um menino de dez anos. Certo dia ouviu o pai comentando com a mãe que o tio desejava fugir de alguém que o atormentava, mas nunca soube quem era. Conversando com Luizinha, ele repetiu exatamente estas palavras e assim que esta contou a irmã, um vendaval de suposições invadiu sua mente, até que Lucas teria sido o motivo da partida do amado. Desde muito garoto ele conversava com todos, sempre tentando ajudar na solução de inúmeros problemas, e Atílio, sabidamente, era muito apegado ao sobrinho. Este sentimento injustificável, causaria no futuro, o afastamento de Lucas da comunidade onde nasceu e cresceu.
  A cada dia a situação se tornava cada vez mais insustentável, Joninho agia como um ditador tirano, só faltava chicotear os trabalhadores menos ágeis. Isto, magoava Lucas profundamente, ele não entendia como alguém que tinha o mesmo sangue que ele pudesse agir daquela maneira. Muitas vezes se sentava à beira mar e ficava olhando a linha do horizonte, imaginado o que teria após a divisão entre o céu e a água. Será uma terra igual a essa? Será um lugar paradisíaco, onde ninguém precisa sofrer para viver? Um dia Mirla havia lhe dito que nada havia, a não ser mais água e mais céu. Lucas pensou:
   – É impossível que não haja nada, afinal o Grande Deus é tão poderoso que haveria de ter criado um local onde todos pudessem se encontrar depois que seus corpos fossem devorados pelos vermes, e ali, onde o mar se encontra com o céu seria perfeito.
   Muitas vezes ele sonhava com este local, via rostos conhecidos, e tem certeza que em um destes sonhos ele conversou longamente com Terêncio, que em alguns momentos, lhe pareceu ser seu pai.  Certa noite, ele se viu em um Jardim maravilhoso, onde seu corpo parecia ser feito de fumaça, flutuava acima das alamedas floridas; vislumbrava pessoas caminhando despreocupadas, passarinhos gorjeando, borboletas multicoloridas pairando sobre as flores de todas as matizes. Quando acordou, a sensação de que algo maravilhoso tinha acontecido não o abandonou durante todo o dia.
   A colheita do algodão era um período de muito trabalho e também dos nervos à flor da pele. Eles precisavam aproveitar o momento certo e executar o trabalho muito rapidamente, para escapar da chuva e dos vendavais que eram comuns naquela região. Em um destes dias, Lucas carregava um cesto de vime, enchendo-o com as flores preciosas que trariam os meios da subsistência de sua família. Jonas e Josias, ao seu lado, faziam o mesmo. Próximo do horário do intervalo para o almoço, Lucas colocou seu cesto no chão para limpar o suor que teimava em escorrer do seu rosto. Neste momento, Joninho se aproximava, supervisionando o trabalho de todos, ao passar pelo cesto de Lucas, deu um esbarrão e derrubou todo o algodão que estava acondicionado dentro dele. Lucas e seus tios viram a cena, mas não podiam imaginar o que ocorreria a seguir. Jonas filho olhou para o irmão com os olhos injetados de sangue, demonstrando todo o ódio acumulado durante todos estes anos, era a oportunidade que precisava para destilar sua inveja. Gritou a plenos pulmões:
   – Seu idiota! Derrubou todo o algodão!
   Jonas tentou intervir, mas foi impedido por Lucas, que respondeu à altura:
   – O idiota é você que não tem coragem de assumir que foi você o desastrado que derrubou o cesto!
   Joninho não estava acostumado a ter suas colocações contestadas e para manter a afirmação mentirosa, investiu sobre o corpo de Lucas, derrubando-o no chão. À partir daí, uma briga corporal teve lugar em cima dos pés de algodão. Como Joninho era mais velho e com o corpo mais avantajado, bateu sem dó no irmão caçula, a ponto de esvair sangue de seu nariz. Quando Jonas, Josias e Rafael, que também assistiu toda a cena, conseguiram separar os dois e impedir que Joninho prosseguisse batendo no irmão, Lucas se levantou, olhou com muito pesar para o pai e saiu correndo no meio da plantação, sem que ninguém conseguisse impedi-lo. Joninho também se levantou e a seguir disse com sarcasmo:
   – Agora ele aprende a me respeitar!
   Jonas, não aguentando mais as consequências de seu ato impensado, pela primeira vez, com o dedo em riste próximo ao rosto do filho mais velho, afirmou:
  – Não Senhor! Eu, Josias e Rafael vimos tudo o que aconteceu, Lucas não teve culpa de nada, foi você que derrubou o cesto de algodão.
  Jonas filho, não acreditando no que acabara de ouvir, seu pai quebrando a palavra de jamais contestar qualquer decisão sua, respondeu agressivo:
   – O líder da comunidade sou eu, portanto, quem derrubou o cesto foi Lucas e não se fala mais nisso.

continuação…

 

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