Mykonos-4

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    De repente, ouviram a voz de Rafael chamando por Ana que se levantou e correu em sua direção, abraçando-o. Quando ele viu Maila e Mirla, disse:
    – Graças a Deus estão aqui, pois em sua casa e em outras do norte da vila estão todos mortos, inclusive Messias, Alice, a esposa e filhos de Rubens e também meus pais e tios.
    Maila soltou um grito de dor, esquecendo-se da enfermidade da filha. Assim que Rafael olhou a menina, percebeu que ela não estava bem. Colocou-a na cama e fez um chá bem forte com uma infinidade de ervas. Após tomar a medicação caseira, Mirla fechou os olhos e dormiu.
    Ana disse para amiga:
    – Deixe-a conosco, nós cuidaremos dela. Volte para casa que você terá que amparar sua família. Assim que tudo terminar nós a levaremos.
    E assim, Mirla ficou sob os cuidados do casal e quando voltou para casa lhe disseram que o avô havia ido visitar a avó Cira, e assim, todos os dias, a menina perguntava quando o vô Messias iria voltar. A resposta era sempre a mesma:
    – Espera mais um pouco que ele logo chegará.
    E agora dentro da embarcação, sentindo que não mais voltariam chamava insistentemente pelo avô.
    De repente, Jonas filho, virou-se para a irmã e disse rispidamente:
    – Pare com esta choradeira! Vovô está morto, ele nunca mais voltará!
    Maila o repreendeu duramente, dizendo que ele não deveria ter dito isto, pois ela era uma criança. Jonas filho, com olhar desafiador respondeu:
    – Eu já estou cansado de todos dizerem que ela é uma criança, afinal ela tem apenas dois anos a menos que eu.
    A mãe sem saber o que responder, apenas acenou concordando com a afirmação e calou-se. Mirla parou de chorar por um momento. No instante seguinte, escorregou do colo da mãe e se dirigiu onde estava seu pai Jonas, absorto em seus pensamentos. Neste local havia longos bancos brancos que ligavam à base de um mastro a outro. Maila subiu no banco e delicadamente recostou a cabeça no colo de seu pai. Assim ficou por um longo período enquanto Jonas acariciava seus cabelos negros encaracolados.  Passados quinze minutos, ela levantou-se mirando profundamente os olhos de seu pai, disse a seguir:
    – Papai me diga a verdade, vovô Messias morreu?
    Assustado com a pergunta inesperada, respondeu pausadamente:
    – Sim filha, vovô morreu e não mais voltará.
    Ela ouviu a resposta, cerrou os olhos e completou:
    -Todos mentem, porque querem que o vovô fique, pois ele está velho e não pode mais trabalhar.
    Jonas encarou-a com ternura e prosseguiu.
    – Não Mirla, se seu avô estivesse vivo nós jamais o deixaríamos para traz.
    A seguir, a menina entrou em estado de amargura profunda, retrucou mal-humorada:
    – Você continua mentindo para mim. Vovô está bem vivo e até já pode caminhar, eu o vi de pé nas pedras acenando para nós enquanto a embarcação começou a se afastar de casa. Ninguém pediu para o capitão voltar. Eu disse que vovô tinha ficado e ninguém quis me ouvir. Agora não dá mais tempo já estamos muito longe da nossa casa.
    Assim que ela parou de falar, seguiu-se um silêncio profundo e em seguida adormeceu aconchegada no colo do pai. Jonas estava tão comovido que mal conseguia raciocinar.
    – Então ela também consegue vê-lo? Pensou.
    – Que mistério é esse?
    Por mais que buscasse alguma explicação para o fato, não conseguia concluir absolutamente nada. Que ele estava morto era claro, pois estava todo ensanguentado e totalmente inerte. Seu corpo foi enterrado em uma cova funda cavada por ele e Josias e todos viram quando a terra cobriu o cadáver. Buscou nos seus parcos conhecimentos da vida após a morte uma resposta, nada lhe parecia trazer algum entendimento. Mas Mirla afirmou que ele estava de pé e isto era impossível, pois não andava devido a paralisia. Pensando bem também não conseguiria se equilibrar na cabeceira da cama como eu o vi, pensou Jonas, cada vez mais intrigado. Acho que assim que chegar à Grécia vou procurar um sacerdote grego, dizem que eles sabem muito da vida depois da morte, inclusive onde fica este lugar secreto que todos os mortos vão após a carne apodrecer ou ser queimada como fazem os outros povos.
    O dia estava se findando. O sol se punha espalhando os últimos raios sobre a água movendo-se sem parar, obedecendo a direção do vento. O capitão dirigindo-se às mulheres, pediu que elas preparassem a refeição do final do dia pois logo a claridade seria substituída pela escuridão da noite. Cerca de doze mulheres se levantaram e começaram a separar os alimentos, frutas secas, queijo meia cura, alguma carne e leite. A viagem seria longa, cerca de vinte dias, então consumiriam os alimentos divididos em uma porção igual para cada um dos passageiros, apesar de terem sido adquiridos por cada uma das famílias; juntaram tudo e cada uma das mulheres se encarregou de servir seu marido e filhos.
    A primeira noite foi terrível. O frio cortante e o vento não permitiam que ninguém adormecesse.  Não havia nenhum tipo de cobertura, apenas algumas mantas que foram utilizadas para agasalhar as crianças. Na manhã seguinte, o sol apareceu forte e outro problema tiveram que enfrentar os viajantes: a pele sem proteção ardia fazendo com que bolhas aparecessem por toda a face e braços.  As crianças eram as que mais sofriam, a pele e os olhos sensíveis logo se tornaram alvo de preocupação dos pais, pois o inchaço fazia com que elas sentissem muito desconforto.
    Mirla e Tereza de três anos, filha de primo Augusto e prima Otélia, adoeceram no segundo dia. Choravam muito, mal conseguiam abrir os olhos. Foi graças aos unguentos de Rafael, que também decidiu partir após a morte de seus pais, que as meninas começaram a melhorar. No quarto dia, todos já estavam mais adaptados, mas a falta de conforto castigava seus corpos a ponto de muitos permanecerem de pé por horas a fio. Apesar das dificuldades imensuráveis, ninguém reclamava, todos tinham certeza que breve a insegurança dos dois últimos meses ficaria para trás, perdida em um distante país.
    A partir do décimo segundo dia a embarcação começou a verter água através de rachaduras no casco causadas pela falta de manutenção da madeira envelhecida. O capitão pedia que todos tivessem calma que aquele problema era normal.
    Jonas, já recuperado da queda, liderou os homens para se revezassem dia e noite retirando a água do mar que teimava em invadir o assoalho da embarcação.  As crianças e as mulheres colaboravam como podiam, umas oravam para que os Deuses permitissem que chegassem ao destino, outras, como Maila, Ana e Otélia – prima de Jonas – conversavam para passar o tempo.

continuação….

 

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