Com esta frase vibrando em sua mente, Laercio passou o resto do dia. Ele não se sentia feliz, e nem tampouco confortável em permanecer tão distante dos amigos, que no passado representaram a diferença entre a vida e a morte. Decidiu de supetão, conversar com Percilio, ele queria por um ponto final nesta situação tão desconfortável, nem que para isso tivesse que enfrentar um embate com a família de sua esposa e com seus filhos, que já delineavam um sentimento de exclusão com relação a família Massina.
Enquanto Laercio se perdia em tantos conflitos, Luizinha se sentia estranha. Observava atentamente o marido, que naquele momento, depois de um longo período absolutamente calado, levantou-se, e sem dizer palavra saiu. Ela fez menção de questioná-lo, mas no instante seguinte desistiu, como que movida por um eflúvio de energia suave que invadia a insalubre caverna. Os três filhos mais jovens do casal, ainda dormiam, eram três rapazes, já próximos de completar a terceira década de vida. Nenhum demonstrava aptidões para qualquer tipo de trabalho, nem mesmo muita disposição em auxiliar na plantação. O fato da Comunidade ser conduzida por um líder que era rechaçado pela família de Luiza, os deixavam à vontade para não se dobrar as determinações que vinham dele. Trabalhavam apenas o suficiente para não serem expulsos, conforme as regras aprovadas por todos os membros. A filha mais velha, Rute, da mesma idade de Percilio, morava com a avó Raquel, desde a morte de Jeremias. Era a única que desenvolveu características diversas ao resto da família, diziam que tinha “puxado” ao avô, pois, era comum, ouvi-la contestando com os irmãos, posturas pouco dignificantes.
O fato de nenhum deles ter se casado intrigava os pais, a impressão que dava é que não tinham interesse de formar sua própria família. Relembrando a época em que se apaixonou por Luizinha, Laercio esboçava um sorriso saudoso, não conseguia entender como três rapazes, saudáveis, sem nenhum impedimento visível, prosseguiam agindo como se fossem meninos mimados. Houve uma época, em que Luizinha forçou o filho mais velho, de nome Jeremias, como o avô, a tomar a decisão que Joninho, na flor dos seus doze anos, o fez com absoluta segurança. O rapaz ameaçou deixar a Grande Pedra, disse, que nenhuma jovem em idade de se casar que morava na Comunidade, despertava nele qualquer sentimento que justificasse uma união duradoura. Com o tempo, tanto Luizinha, como Laercio se conformaram com a decisão de Jeremias, mas isto, abriu um precedente para os outros dois filhos, que também seguiram a mesma trilha do irmão mais velho, e agiram da mesma maneira.
Rute, não suportando a falta de pulso de seus pais com relação ao comportamento irascível dos irmãos acabou se mudando para a caverna da avó. Lá, a vida também não era fácil, Laurinha mandava e desmandava, com os filhos crescidos, ela prosseguia elegendo a vida alheia para desopilar o fígado. A jovem, muitas vezes, pensou em partir em busca de novos horizontes, como fez Rosana, a muitos anos atrás, mas ela tinha a sensação que algo a prendia a Grande Pedra, sentia que precisava ficar e auxiliar alguém que em sua consciência terrena não encontrava sustentação quando acionava a razão. Ela admirava muito seu pai, mas a servidão que ele se auto impôs, a deixava triste e às vezes até revoltada, por isso decidiu se afastar de sua família original e buscar abrigo nos braços da avó, que por outro lado, tinha muitos resquícios de ingratidão pulsando em sua essência, mas mesmo assim, Rute se sentia mais feliz ao lado dela, do que de seus pais e irmãos.
Além da avó, Ruth se dava muito bem com a prima Pilar, filha mais nova de Joninho e Laurinha e alguns anos mais jovem que ela. As duas costumavam se sentar nas pedras que ladeavam a Grande Pedra e conversar sobre a felicidade que seria de um dia poderem se relacionar amistosamente com todos os membros da Comunidade onde nasceram. Este assunto, virava e mexia, voltava a ser o centro da conversa das duas jovens. Tanto uma, como outra, não se casou, porque as mães de ambas não permitiam sequer que conversassem com rapazes ou mantivessem qualquer tipo de amizade com descendentes da família Massina, apesar dos filhos de Laura serem netos de Jonas, antigo líder e por muitos anos o mais atuante membro desta família. Pilar nutria um amor platônico por Silas, filho de Albertinho, mas era algo, que ela não confessava nem para sua prima Rute, guardava para si aquele sentimento que as vezes a levava a ter crises de choro e uma sensação de revolta com a situação que fugia de seu controle. O que as primas desconheciam é que a vontade extrema que sentiam de unir todos os membros da Comunidade estava movimentando uma energia tão poderosa que brevemente resultaria em um aporte de força capaz de modificar o triste cenário tingido com as cores da arrogância e da exclusão.
Saindo de sua caverna no final daquele domingo ensolarado de verão, Laercio pensou em caminhar um pouco para arejar os pensamentos e os sentimentos. Se aproximando do mar, ele percebeu que alguém tinha chegado antes dele, sentada nas pedras e absorta em seus pensamentos, Rute olhava atentamente a linha do horizonte, como se desejasse se auto transportar para um local escondido, além de onde seus olhos alcançavam. Era incomum que pai e filha se encontrassem em momentos tão tranquilos, o normal, era quando brigas infindáveis com os irmãos solicitassem a interferência do pai para apartar conflitos.
Sem ser visto pela filha, Laercio esboçou um belo sorriso, pensou:
– Grande Deus, que benção, acho que era exatamente de Rute que eu precisava para conversar.
Seguiu resoluto, dando mais alguns passos. Até que a jovem se virou, sentindo que estava sempre observada. Ao se certificar que se tratava de seu pai, Rute levantou-se rapidamente e de braços abertos o saudou efusivamente dizendo:
– Papai que surpresa!
Laercio, esboçando um largo sorriso a abraçou com todo o carinho, disse:
– Filha, o que faz aqui sozinha uma hora destas?
– Estou observando a beleza do mar e pensando como é bom viver. Respondeu Rute, sem rodeios. Laercio completou, dizendo:
– Então vou mudar a pergunta! O que faz aqui, pensando sozinha?
– Ora papai, as vezes é preciso ficar sozinha, quando estamos acompanhados de muita gente é impossível pensar sem que a opinião de outras pessoas acabe interferindo no que achamos que é certo. Veja o Senhor, que depois de pensar muito, conclui que é muito bom viver, se estivesse ao lado de mamãe e pedisse sua opinião, com certeza ela diria:
– Filha, viver é muito difícil, acordar todos os dias e fazer sempre a mesma coisa, sem poder sair daqui e nem ao menos conhecer outros lugares.
Laercio pensou um pouco a respeito da colocação da filha, disse:
– Eu sei que sua mãe é uma pessoa triste e a muito perdeu a alegria de viver, mas nem sempre foi assim, quando eu a conheci, ela sempre me dizia que tudo que ela precisava para ser feliz, era de meu amor, mas pelo jeito, estava errada.
Rute se movimentou, sentindo-se desconfortável, a única mãe que ela sempre conheceu era aquela que ralhava a todo momento e não demonstrava nenhum sentimento de carinho, nem por ela, nem por seus irmãos, e muito menos por seu pai.
Tentando mudar de assunto, a jovem perguntou:
– Papai, por que tanta briga entre a nossa família e a família de Tio Jonas?
Desta vez, quem se sentiu pouco à vontade foi Laercio, era a primeira vez que sua filha o interpelava a este respeito, todos os jovens da família sempre seguiram à risca o que Luizinha e Raquel determinavam, ele sempre pensou que este fato não causava nenhum mal estar a nenhum deles. Gaguejando respondeu.
– Como assim minha filha, que eu saiba nós nunca brigamos, o que ocorre é que sua mãe prefere que vocês fiquem longe da família Massina, eu não sei exatamente o motivo.
– Ora papai, você sabe muito bem que já ocorreram muitos atritos entre tia Laurinha e Mariane, e até mesmo mamãe e vovó já tiveram suas diferenças resolvidas na discussão com Mirla e Ana. Eu gostaria de saber por que tanto atrito, afinal somos todos vizinhos e fazemos parte de um grupo que sempre alardeou que a união faz a força.
Perguntou Rute, olhando no fundo dos olhos de seu pai.
continuação…