Mykonos-50

voltar a introdução

voltar a Mykonos-49

       August sorveu um grande gole de chá, pousou a xicara na mesa e respondeu:
       – Meu filho, sua esposa não está grávida, ela mentiu para você.
      Ao ouvir isso, Nael levantou-se em um tranco, ameaçou dirigir-se a porta para ir embora, mas foi impedido pelo grande amigo, que segurando em seus ombros prossegui:
      – Não se preocupe, ela está sob os cuidados do meu amigo Dr. Alecsander, em Semiris. Logo voltará para casa, mas gostaria que se sentasse pois precisamos ter uma longa conversa.
      Nael obedeceu de pronto pois algo lhe dizia que aquele enigmático senhor era de total confiança. August respirou fundo e começou a dizer:
      – Filho, não me pergunte como eu sei de tudo o que vou lhe contar, pois nem eu mesmo sei, mas tenho certeza absoluta que cada palavra que vou pronunciar aqui é fruto da mais pura verdade. Suponho que por algum motivo, o Grande Deus nos colocou frente a frente no dia de hoje e eu não tenho nenhuma curiosidade que ele me revele que motivo é este. Eu gostaria de saber se você tem alguma objeção que eu lhe diga tudo que sei.
     Nael pensou por alguns instantes e respondeu:
     – Senhor, pode prosseguir!
     Neste instante, o rapaz sentiu uma rajada de vento atingir todo o seu corpo, olhou para traz e certificou-se que a porta estava fechada. August sentiu o mesmo, mas sabia exatamente o que era aquilo – energias que o auxiliavam quando estava prestes a ajudar alguém.
     – Filho, você foi afastado de sua família porque precisava se unir a esta moça.
     Nael sentiu um arrepio, ele jamais havia dito a ninguém que não era filho de Claudius e Sara e tinha certeza absoluta que os dois também guardaram este segredo a quatro chaves, mas, pensou a seguir, que alguém das redondezas havia dito ao velho ancião, pois quando ele foi “adotado” pelo casal já era bem crescido, portanto não havia nada de sobrenatural em alguém estar a par desta parte de sua vida. August prosseguiu:
     – O Grande Deus sabia que você tinha toda força para suportar uma vida de muita contestação e sofrimento.
     Parou um instante de falar para buscar as palavras certas.
     – Esta noite eu sonhei que receberia em minha casa um jovem muito aflito e eu deveria dizer a ele tudo que me disseram durante este sonho.
     Nael pensou em desistir de ouvir o relato de August mas uma força sobrenatural não permitia que ele movesse um músculo sequer, a única coisa que conseguiu fazer, com muito sacrifício, foi assentir com a cabeça em sinal de aprovação, autorizando que seu interlocutor prosseguisse.
     Com isso, o velho adivinho percebeu que o incomodo que o invadiu assim que começou a conversa com Nael tinha desaparecido e teve a certeza que dali para frente as palavras certas sairiam de sua boca. Prosseguiu:
     – Breve, você reencontrará sua família original. Assim que isso acontecer deverá partir com sua esposa e se instalar no local que o Grande Deus providenciou para acolher seus familiares na nova terra.
     Nael ouvia atento, tentando memorizar tudo que estava sendo dito, mas pouca coisa recebia acolhimento no pouco que sabia sobre sua vida. Somente no futuro as pedras do quebra- cabeças se encaixariam.
    – Sua esposa não está grávida, mas ficará. Continuou o ancião.
    – Ela inventará uma desculpa qualquer e você fará de conta que acredita, pois duas meninas aguardam para serem suas filhas e só o Grande Deus sabe o motivo de serem vocês dois os escolhidos para recebê-las.
    – Agora vá e não se esqueça que o dia que reencontrar seu velho pai, nascerá um outro homem.
    Nael se levantou em um tranco, agradeceu a acolhida e saiu correndo. Assim prosseguiu por quilômetros, correu até não suportar mais. Exausto, sentou-se no chão, fechou os olhos e de repente viu vários meninos correndo em diversas direções. Um deles calçava uma sandália de couro e atravessava um local onde ele via claramente mulheres com aspecto doente e crianças abandonadas. Outro, faminto e assustado, corria em uma mata fechada, pulava galhos, saltava crateras. Ao todo, visualizava quatro meninos, um deles, corria em direção ao mar, parecendo buscar conforto nas águas azuis. Nael tinha certeza que se continuasse a observar aquelas cenas, as quais ele não sabia de onde vinham, alguma revelação dolorida chegaria a sua mente. Em um esforço sobre humano, abriu os olhos e pediu que o Grande Deus o livrasse do quer que fosse estivesse acontecendo. Neste momento se surpreendeu com a força da fé que sentia neste Deus, retrocedeu no tempo, nos poucos anos que sua mente retinha memórias e não encontrou nenhuma referência significativa a ele, a não ser a breve conversa que acabara de ter com August. Algumas vezes, Sara e Claudius lhe disseram que a vida era regida por alguém muito poderoso, mas ele desconhecia esta sensação de crença absoluta em alguém invisível.
    Assim que este breve momento de divagação passou, ele se levantou e percebeu que estava bem próximo de Semiris, conseguia avistar o porto e o cume de algumas elevações de pedra próximas da Comunidade. Prosseguiu, agora lentamente, absorto em medir os últimos acontecimentos. Ao se aproximar do local onde Dr. Alecsander costumava atender seus pacientes, avistou Sibele em pé ao lado da porta. Assim que o viu, ela correu em sua direção e disse:
   – Nael, fico muito feliz em te ver, mas as notícias não são boas, Mirtes passou muito mal e perdeu o bebê de vocês.
   O rapaz a olhou com desdém e imediatamente uma faísca de raiva invadiu sua mente.  Pensou:
   – Com certeza ela é conivente com toda esta mentira, eu tinha certeza que não havia tocado em um fio do cabelo de Mirtes antes do casamento, talvez a ideia tenha sido dela, é impossível que uma jovem tão pura inventaria uma história destas.
   Sibele se assustou com a reação de Nael e por um instante teve a impressão que ele já sabia de tudo, mas logo, afastou esta hipótese, quando ouviu-o dizer:
   – Mas ela está bem? Teremos outros filhos.
   Uma afirmação seca, mas que continha tudo que Sibele queria ouvir, isto significava que os dois não se separariam e elas continuariam a ter casa e comida de graça. Ela o convidou a entrar.
   O local onde Dr. Alecsander atendia seus pacientes era um barracão rustico, coberto com telhas improvisadas de madeira e folhas, ladeado por muitas árvores que proporcionavam sombra nos dias ensolarados. O interior era envolvido por uma bruma que denotava energias advindas de outras dimensões, pois ao adentrar aquele recinto, Nael se sentiu em harmonia com algo que não estava presente em sua memória, mas com certeza fazia parte de sua essência. Havia muitos leitos, todos ocupados. Assim que Dr. Alecsander viu o marido de Mirtes correu ao seu encontro, pois estava ansioso por conversar com alguém da família, apesar da paciente já poder ir embora, ele a reteve, pois desconfiava que a mãe não estava lhe dizendo tudo que sabia. Nael, por sua vez, nem percebeu a aproximação do velho Doutor, pois buscava a esposa entre os doentes dispostos nos leitos. Dr. Alecsander abordou-o dizendo:
   – Você é o marido da jovem Mirtes?
   Como a resposta foi sim, o médico pediu que conversassem em particular, gentilmente disse para Sibele ficar com sua filha que estava em um outro local, reservado para aqueles que aguardavam serem liberados.

continuação….

 

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s