Ao retornarem à Grande Pedra, comunicaram a Jonas o que haviam combinado, e este achou a decisão muito providencial pois estava preocupado com o que havia acontecido naquela tarde. Conversou com seus irmãos e com alguns membros da comunidade que eram mais ativos e a conclusão foi de que Tânia deveria ficar recolhida à sua caverna por pelo menos um mês sem cruzar o caminho de Ana, mas agora com este ajuste, tudo ficou mais fácil. Estando Ana e Rafael ao nível da areia e em sentido oposto à escada que dava acesso ao andar superior, dificilmente as duas se encontrariam.
Jonas, conversando novamente com os irmãos e com os amigos, resolveu revogar o “castigo” que iriam impor a Tânia. Ficando apenas a determinação que ela deveria cuidar do marido, pois havia chegado aos ouvidos de todos, que Terêncio não estava bem e segundo as palavras da esposa corria risco de vida. Fernando concordou em ser o bode expiatório, pois a muito desejava fazer alguma coisa pelo marido de Tânia, assim quebraria a teimosia do amigo e não se importava nem um pouco que Tânia viesse tirar satisfações com ele, afinal, ela havia dito isto mesmo.
Assim que soube da conversa de Rafael com Fernando, Ana cobriu o marido de beijos e correu para dizer a Rosana que se mudariam na manhã seguinte. Assim foi feito, quando raiou o dia, antes que vissem qualquer movimento no orifício ao lado, os três se dirigiram para caverna de Fernando, ele já os aguardava com tudo pronto. Este subiu as escadas carregando os poucos pertences e se alojou na antiga casa do casal, passado meia hora, ele percebeu que Tânia e o marido haviam acordado, pois ouviu barulho de utensílios de cozinha.
Fernando ficara encarregado de ter uma conversa com os dois e informá-los o que os líderes da comunidade haviam decidido, se aproximou da abertura da entrada do orifício e bateu palmas. Terêncio veio recebê-lo, se surpreendendo com a presença de Fernando em sua porta, disse:
– O que deseja Fernando, acabamos de acordar.
– Precisamos conversar um pouco, posso entrar?
Ao perceber que quem estava batendo era Fernando, Tânia se adiantou dizendo:
– Não! Não pode, seu traidor, você envenenou Rafael contra mim. Nunca mais me dirija a palavra, e saia já daqui.
Terêncio não compreendendo a que a esposa se referia, tomou a palavra:
– Não estou entendendo nada do que você está dizendo Tânia, e se Fernando veio até aqui para conversar comigo, é claro, que eu o ouvirei. Fernando olhou para ela, prosseguindo:
– Se você quiser participar da conversa pode ficar à vontade, se não, podemos conversar em minha caverna. E apontou para o orifício ao lado.
Ela deu um grito de surpresa:
– O quê? Você trocou de caverna com aquela mentirosa? Você é mesmo um zé ninguém, sem eira nem beira, sem pai, nem mãe.
Fernando abaixou a cabeça e um sentimento de insegurança o invadiu, como sempre acontecia quando alguém se referia à sua origem de uma maneira tão jocosa como fez Tânia. Isto foi por alguns segundos, pois logo, sua usual dignidade se fez sentir com a resposta que proferiu:
– Tânia, eu apenas disse a verdade, e repetirei para Terêncio durante nossa conversa, portanto, não adianta me ofender, eu vim aqui com uma missão e a cumprirei, estando você presente ou não.
Assim, Tânia permitiu que Fernando entrasse e os três se acomodaram sobre uma pedra que havia dentro da caverna. Terêncio foi o primeiro a falar:
– Amigo, estou muito curioso para saber o que você tem a me dizer, pelo que vi, deve ser algo muito grave, pois nunca vi Tânia tão descompensada.
– Bem, vou começar pelo fim. Fui incumbido por Jonas e pelos seus irmãos de te dizer que sua esposa deverá a partir de hoje permanecer sempre ao seu lado, cuidando para que seu bem-estar seja garantido. Isto, como punição por atos que os líderes da comunidade consideraram inadequados.
Enquanto Tânia permanecia em silencio mais visivelmente contrariada, Terêncio disse:
– Eu já posso imaginar que atos inadequados são estes. Com certeza se relacionam com Ana e Rafael. Há tempos eu já tinha percebido que ela tem um apreço muito acima do aceitável para com ele.
Apesar de tentar não se intrometer na conversa, Tânia não conseguiu, replicou:
– Vocês estão tirando conclusões precipitadas e nenhum líder tem o direito de se meter na minha vida deste jeito.
Já alertado por Jonas que ela poderia fazer esta alegação, Fernando disse apenas:
– Só pode permanecer na comunidade quem agir dentro das regras de boas condutas, caso não aceite, terá que partir.
Sem ter mais o que alegar, ela se levantou e saiu da caverna enraivecida. Fernando respirou aliviado, agora poderia conversar com Terêncio com mais tranquilidade e foi o que fez. Contou tudo que havia acontecido em detalhes, inclusive que Tânia havia dito que ele estava à beira da morte. Neste momento, Terêncio deu uma gargalhada dizendo:
– Só tenho dores nas pernas, ainda vou viver muitos e muitos anos, ela é que tem que se cuidar.
Fernando ainda disse que todos já sabiam que ele sofria com estas dores, por isso impuseram esta punição à Tânia, para que ela o ajudasse em todas as tarefas, fazendo com que ele não se desgastasse tanto. Terêncio achou magnífica a ideia e a partir daquele dia, toda vez que Tânia ameaçava agir atabalhoadamente, ele dizia que ia contar para Jonas. Com medo de ser expulsa da comunidade, ela se acalmava. Mas mesmo assim, o ódio por Ana corroía suas entranhas, toda vez que a via em companhia de Rafael, jurava se vingar – mas não sabia como. Até que um dia a oportunidade chegou.
Rosana saiu para ir buscar água no riacho e Rafael estava à beira mar, buscando conchas para triturar e misturar em seus unguentos. A caverna de Tânia tinha uma localização privilegiada, de lá, ela via onde todos os membros da comunidade estavam, conseguia enxergar o mar e até a plantação que ficava bem distante da Grande Pedra. Ao concluir que Ana estava sozinha, ela pegou seu xale e desceu sem ser vista, os dois lances de escada que a separava da caverna de Ana e Rafael. Tânia havia elaborado mentalmente um plano horroroso, só esperava a oportunidade chegar, e naquele dia, tudo estava perfeito, até Terêncio tinha melhorado e estava na plantação em companhia de quase todos os homens da comunidade. Ao se aproximar da caverna de Ana, viu que ela estava de costas cozinhando no fogão à lenha, entrou sorrateiramente e quando tirou uma faca que escondia debaixo do chalé para ataca-la, Rosana entrou, pois havia esquecido a vasilha grande. Ao ver a cena, deu um grito de horror, Ana se virou, a tempo de dar um empurrão em Tânia, mas mesmo assim, foi ferida superficialmente na mão. Rosana correu para socorrer Ana enquanto Tânia fugiu apavorada. O que ela pretendia era matar Ana e esperar que pusessem a culpa em Rafael. Ela diria que ele fez isso por amor a ela, e quando o expulsassem da comunidade, ela o seguiria, mas agora estava tudo perdido, tinha até uma testemunha que havia visto o que ela estava prestes a fazer. E quando voltava para sua caverna, encontrou Tereza, que ao ouvir o grito de Rosana corria para ver se havia acontecido alguma coisa com Ana. Tânia pensou:
– Mais uma testemunha para me acusar, preciso aproveitar agora enquanto os homens ainda não voltaram da lida, não posso mais ficar um minuto por aqui, senão será o meu fim.
continuação…