Mykonos-13

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    Quando Jonas terminou a oração, ele percebeu que todos imitavam seu gesto, uns se ajoelhando e orando, outros, simplesmente agradecendo, fitando os céus. Foi uma cena muito comovente, difícil de ser esquecida. Todos que lá estavam naquele momento, reterem aqueles breves minutos em seu subconsciente e muitos tem recordações fortuitas até os dias de hoje, mais de vinte séculos depois. Ninguém tem ideia do que representou aqueles equipamentos para aquela comunidade de trabalhadores, sem eles, não havia possibilidade de prosseguir a plantação. As mãos humanas são de muita serventia, mas em algumas situações, elas de nada valem, como por exemplo, preparar o terreno para o plantio, revolver a terra para receber a semente – para que ela germine saudável, é necessário que a terra seja fofa e areada, caso contrário, a mudinha não consegue eclodir e a semente acaba se tornando alimento para os predadores.
    Naquela noite, foi só comemoração, apenas Joninho não demonstrava muito entusiasmo, do alto de seus sete anos, se sentia injustiçado pelo pai, que abertamente não perdia oportunidade de dar carinho para Mirlinha. A mãe, contornava como podia, mas também não conseguia que o filho se sentisse mais feliz. Joninho tinha uma característica muito peculiar, desde muito pequeno, rechaçava os primos mais velhos, dizendo que ninguém conseguia ser mais esperto que ele, e esta situação tão explicita de abandono, o incomodava sobremaneira. Todos percebiam o quanto era excluído pelo pai, os primos seguiam o mesmo caminho, não o convidavam para as brincadeiras e muitas vezes cochichavam baixinho para que não participasse das conversas. Assim o tempo foi passando, o menino crescendo, cada vez mais agressivo e autoritário.
    Passados dois meses da chegada dos equipamentos, a plantação só fazia ficar mais viçosa. O milho, o feijão, a lentilha, já poderiam ser colhidos na próxima estação. Jonas conduzia os trabalhadores com firmeza, mas com muito tato e justiça. Logo já poderiam levar o fruto de tanto trabalho para Vila Cantar para ser vendido.
    Os amigos Rafael e Terêncio se tornaram os conselheiros do grupo e quando a menina Luiza, filha de Jeremias, o primo distante, procurou os dois para dizer que queria se casar e que seu pai tinha se colocado terminantemente contra; os dois amigos se prontificaram em servir de intermediários entre Laércio, o jovem de vinte e um anos cujos familiares foram mortos em uma investida dos bárbaros, tendo partido sozinho para a Grécia; e Jeremias, o pai difícil de lidar.  Desde a chegada do grupo, a alguns meses atrás, muitos relacionamentos começaram a se delinear, entre eles o namoro de Luiza e Laércio. A menina de dezoito anos era dócil e delicada, sabia cozinhar, lavar e adorava cuidar das crianças menores. O jovem, trabalhador incansável, sempre pronto para auxiliar quem quer que precisasse. Apesar do apoio da mãe da garota, o pai não aprovava o namoro, dizia que a filha precisava ajudar na lida e também cuidar dos cinco irmãos menores e que o rapaz era órfão e não saberia como cuidar de uma família. Naquela época era comum as jovens se casarem muito cedo, assim que saiam da puberdade, por volta dos doze ou treze anos de idade, quando as primeiras regras ocorriam. No caso de Luiza, a muito já tinha passado desta fase, mas seu pai insistia em tratá-la como propriedade sua, não arredava pé em sua opinião inflexível. Após o casal contar todas as dificuldades para os dois conselheiros, estes, acharam por bem promover uma reunião entre o pai turrão e os dois enamorados, mas antes, foram ouvir a opinião de Jonas, que tinha um enorme peso em todas as decisões na comunidade. Este, achou por bem, não interferir na conduta dos amigos, Rafael e Terêncio, pois os dois, por unanimidade, foram eleitos os fiéis da balança de todos os problemas que envolvia qualquer disputa de opiniões entre os membros da comunidade. Jonas disse, em tom paternal:
    – Amigos, tenho o maior apreço por Luizinha e Laércio, acredito que o melhor seria os dois se casarem o mais rápido possível, antes que algo inesperado aconteça, mas não podemos passar por cima da opinião de Jeremias.
    – Usem de muito tato ao se dirigir a ele, pois, todos sabem o gênio de cão que ele tem.
    Rafael tomou a palavra dizendo:
    – Jonas, esta é uma tarefa dificílima, desde antes da nossa partida, sabemos do bem querer que envolve estes dois jovens, mas sabemos também da opinião do amigo Jeremias.
    Terêncio completou:
    – Rafael, se você me permite, gostaria de conversar com Jeremias sozinho.
    Os dois amigos se entreolharam sem saber o que pensar e Rafael respirou aliviado por se ver livre de uma tarefa tão complicada. Jonas perguntou:
    – Mas porque você quer conversar sozinho com ele?
    – Porque eu sei exatamente o que ele está sentindo, apesar de Jeremias ter um gênio difícil, é um bom homem, e ama Luizinha com toda força de seu coração.
    Rafael desejou boa sorte ao amigo conselheiro e se despediu. Jonas ainda não tinha dado por satisfeito e prosseguiu:
    – Terêncio, é muito difícil saber o que o outro está sentindo, ainda mais neste caso, que envolve uma situação familiar muito peculiar.
    – Amigo, eu sei o que você está querendo dizer, mas não se preocupe, eu não serei indelicado, muito menos abordarei assuntos que só dizem respeito à família.
    Jonas, encerrou a conversa, dizendo:
    – Está bem, faça o que tem que ser feito, espero que da próxima vez que tocarmos neste assunto seja para comemorar o casamento dos dois pombinhos.
    – Assim será. Disse Terêncio, com um sorriso enigmático nos lábios.
    Dois dias se passaram e ninguém soube o resultado da tal conversa, que conforme registros, aconteceu no dia seguinte ao encontro de Jonas, Terêncio e Rafael. Quando chegou o final da semana, Luiza e Laércio não cabiam em si de ansiedade em saber o que o pai havia decidido, pois ele agia normalmente e Terêncio nada dizia. Como no domingo ninguém trabalhava, todos estavam reunidos no centro do acampamento onde normalmente se acendia uma fogueira nas noites frias, ali havia alguns bancos de pedra, outros de madeira rústica, era comum passar o tempo conversando, ninando as crianças menores ou simplesmente observando o movimento das pessoas ao redor. Naquele dia, toda a família Massina estava se confraternizando devido o aniversário de Jonas e Josias que era comemorado no mesmo dia, apesar de terem nascido com dois dias de diferença. Mas no íntimo de cada um, membro da família ou não, se escondia a curiosidade em saber qual seria a decisão de Jeremias, pois todos sabiam que haveria uma decisão e seria anunciada após o discurso dos aniversariantes. Os dois irmãos agradeceram solenemente os presentes recebidos em forma de frutos e sementes silvestres. Maila fez um grande cesto de folhas de palmeiras para que Jonas pudesse transportar os peixes que pescava com os anzóis e redes encontradas nas cabanas abandonadas pelos nativos. Josias, ganhou de sua esposa Nair, um bornal, costurado com agulhas trazidas de Verona e tecido de um velho xale. Na comunidade, tudo era muito precário, e precisava-se muita força de vontade e imaginação para se oferecer um presente a alguém. Terminada a troca de presentes e os agradecimentos, Terêncio pediu a palavra:
    – Meus amigos, como todos sabem, Luizinha e Laércio me pediram para conversar com Jeremias sobre o consentimento para que os dois possam se casar.
    Luiza, sentada ao lado mãe, pensou que ia desfalecer de tanta ansiedade. Laércio em pé,   do lado oposto, estava muito preocupado, temendo que o futuro sogro se negasse a aceitá-lo como genro. Já tinha decidido que se isso acontecesse, deixaria o acampamento na manhã seguinte e se aventuraria em outras paragens, abandonaria o sonho de ter a mulher amada como sua companheira.

continuação…

 

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