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Voltei para sala e vi pela primeira vez naquele dia, meus sobrinhos: Josias de dez anos e Rita de quase nove. Estavam na casa de Claudia brincando com Isis e Enrico acompanhados por Catarina, quando avisaram da morte de Ahimon, Claudia e Artur os trouxeram porque queriam ficar com os avós.
O menino correu e abraçou Lucia, a menina foi direto para o quarto em busca do avô – nem mesmo olharam para minha irmã. Esta cena me deixou intrigado – fechei os olhos e pensei: – Que mistério é esse?
Ouvi uma voz, que de imediato reconheci como sendo Menéas.
– Amigo, ver com os olhos terrenos é não enxergar nada do que se sucede atrás dos véus que separam homens e espíritos. Rita e Josias são espíritos que deveriam ser filhos de Lucia, mas devido a sua arrogância quando jovem, não querendo sentir as dores do parto, tomou uma infusão de folhas abortivas e perdeu os bebês – sim, eram gêmeos, uma menina e um menino. Quando viu que apesar de poucos meses de gravidez, os bebês já eram formados e eram dois – se arrependeu, mas já era tarde. Múrcio só a perdoou quando nasceu Ahimon, isto dez anos após. Este filho foi criado com muito cuidado e amor, porque Lucia nunca mais engravidou, mas o arrependimento a consumia, todos os dias pedia perdão aos filhos, que pensava, morarem com os Deuses. Quando Ahimon se apaixonou por Catarina e ela por ele, Lucia se opôs ao casamento, pois não queria se separar do filho. Foi um sonho, intuído pelo Grande Deus que a fez mudar de ideia. Nele, ela engravidava e recebia seu casal de filhos de volta, só que eles a chamavam de vovó.
– No dia que Josias fez um ano, Catarina estava grávida de Rita – Lucia, em momento de intenso sofrimento – contou a minha irmã esta história, que mesmo Ahimon nunca soube. Catarina pressentia que realmente as crianças seriam os gêmeos que voltaram, nunca se opôs que Lucia e Múrcio ficassem com eles a maior parte do tempo. Ahimon, às vezes, se colocava contra, mas a seguir retrocedia.
Só aí, entendi o que se passou e as atitudes de Catarina. Ela sabia que serviu de instrumento para trazer as crianças à vida. Isto me pareceu por um instante algo ignóbil, mas a pequenez do ser humano ainda não consegue visualizar as atitudes do Pai, que sempre prima em oferecer o melhor para cada filho e quem sou eu para julgar.
Como Ahimon tinha falecido pela manhã, o velório foi rápido e o corpo cremado no meio da tarde. Catarina ficou dois dias com Lucia, Múrcio e as crianças, depois disso, fechou sua casa e foi morar por um tempo com mamãe, que nesta época já morava sozinha. Triciana casou-se e mudou-se para Tebas, uma localidade muito distante, já na Ásia e Mirna morava na cidade, ao lado do Templo. Lucius, já tinha se casado com Tália, filha de Tio Percilio, estava muito feliz, sua esposa esperava seu segundo filho e também morava na cidade, perto do Porto, tornara-se pescador, como eu e Antron. As terras de papai estavam sob os cuidados de antigos proprietários que a arrendaram e nos permitia ter uma renda considerável para vivermos tranquilamente.
Um domingo à tarde, após a refeição, recebo a visita de Múrcio, que desde a morte de Ahimon não tinha mais voltado a pescar – apenas cuidava da murta do filho.
Ele estava só, com um aspecto abatido, mas me pareceu sereno, após os cumprimentos me inquiriu, dizendo:
– Aimanon preciso conversar com você sobre o que me disse no dia que Ahimon morreu, pensei muito e tenho necessidade de entender melhor o que ocorreu com meu filho.
Eu, sabendo ao que se referia, falei intuído por Menéas.
– Murcio, se você me disse que não acredita em nada além do que seus olhos enxergam, a resposta é: Ahimon morreu porque seu coração parou de bater e sem ele ninguém vive.
Ele me olhou abismado com a objetividade da resposta, mas completou:
– Não penso em outra coisa desde aquele dia, já sentei na beira do rio, observei as águas, observei os peixes, as rosas, os sabugos de milho, os olhos de meus netos, as estrelas no céu, a brisa suave e te digo: eu estava errado, nada disso é obra do acaso, só pode haver uma grande inteligência por trás de tudo e não são inúmeros Deuses – é um só!
Percebi o grande esforço que fazia para me dizer que sua inflexível certeza em acreditar na espontaneidade da vida caíra por terra, só em utilizar um ínfimo de sua inteligência.
Eu o abracei e falei com todo carinho que nutria por aquele sofrido pescador, isto vinha de meu íntimo, independente de suas convicções.
– Amigo, a vida dada a cada um de nós é um presente do Grande Deus – nosso Pai. Ele apenas nos solicita que a utilizemos para melhorarmos, cumprir nossas tarefas e quando concluímos somos arrebatados pela morte, porque novas obrigações nos aguardam. Foi isso que aconteceu com seu filho, trouxe seus netos, amor e cuidou de minha irmã, deu a você e Lucia o prazer da convivência com um filho amoroso, trabalhou e cuidou das crianças e finda a missão, partiu, para atender novas solicitações do Pai.
Murcio me olhou fixamente, como quem ainda não se sentia satisfeito e completou:
– Aimanon, a lógica da existência é : Os filhos enterram os pais e não ao contrário!
– Múrcio, a existência não tem lógica, o que tem lógica é o dever a cumprir. Se fosse assim, seus dois filhos que nem chegaram a nascer não teriam voltado em forma de seus netos Josias e Rita.
Ele estatelou os olhos, este era um segredo que ninguém sabia, além, é lógico Lucia e também Catarina. Múrcio disparou colérico:
– Catarina te contou e em combinação com você estão tentando me confundir.
– Múrcio, Catarina nunca me disse nenhuma palavra a respeito disso, foi Menéas, ou melhor, seu espírito. Pelo que sei, ele também, mesmo em vida, nunca tomou conhecimento deste fato.
O pescador se deixou cair na cadeira aos prantos e me confidenciou:
– Aimanon, sempre pressenti isso, eu os olhava e não entendia o por que meu coração me dizia que eram meus. Menéas quando vivo me disse uma vez que antes de ser avô, seria pai novamente, na época não entendi, porque Lucia já passava dos cinquenta anos.
– Isto prova – prossegui firme – que quando o corpo é cremado e se torna adubo para fertilizar a terra, o espírito sobrevive e retorna para novas missões.
Ele me abraçou e se despediu revigorado. Múrcio terminou seus dias naquela vida, pregando a quem quisesse ouvir o amor do Grande Deus, e após, compartilhamos muitos dias terrenos juntos, sempre aprendendo e nos auxiliando.
Após sua saída, meditei sozinho sobre tudo que havia ocorrido, minha mente tecia inúmeras questões sobre as próximas missões de Ahimon e também as minhas, tudo me pareceu absolutamente claro, a vida em Constantinopla foi maravilhosa, mas já era uma página virada. Após o jantar, conversei muito com Suzana, pedi tranquilidade, alegria e confiança no Grande Deus, ela apenas me ouviu e disse:
– Querido, não se preocupe, nosso amor sustentará qualquer dificuldade.
Só isso, não fez nenhuma pergunta, não me acusou de chamar a morte, como mamãe faria, nada. Um beijo e fomos dormir.
No próximo domingo sai com Artur e Caio, andamos bastante, visitamos inúmeras famílias e pedi que ele avisasse a Claudia que fosse a minha casa para conversarmos a respeito de mediunidade. Meu cunhado me disse apenas:
– Aimanon, já se faz tarde esta conversa, fique tranquilo que eu a avisarei.
Pedi também que ele chamasse Cornélius, Átila e Marco, filhos de minha prima Tarcila e de Osias, também meu primo – netos de Tio Elias. Tia Adelane passava uns dias com mamãe e Catarina, então, eu mesmo a avisaria. A reunião foi marcada para a manhã do próximo domingo, Suzana preparou bolo e suco, pedimos que mamãe ficasse com as crianças – apesar de seus protestos – queria saber porque Catarina e Tia Adelane iriam e ela teria que cuidar das crianças.
Expliquei que o encontro tinha cunho religioso e como professava outra religião não precisava vir, mas se fosse de sua vontade poderia participar, deixaríamos as crianças com Antron. Ela retrocedeu de imediato e concordou.
Meus três primos, foram os primeiros a chegar, nós não tínhamos muita proximidade, por isso estranharam o convite. Eu, de início, perguntei que se existia algo que eles sentiam que qualificavam como anormal. Foi uma pergunta objetiva, porque Menéas havia me dito que os três tinham dúvidas e temores causados pela mediunidade não trabalhada. Átila, o mais jovem dos três falou:
– Aimanon, tem sim, eu sempre vejo pessoas em minha casa, que ninguém vê, eu oro muito, mas é só abandonar as orações que elas retornam, às vezes com aspectos horríveis. Cornélius e Marco também veem, só que não contamos para ninguém – prosseguiu Atila – desde criança este foi um segredo só nosso.
continuação…