Constantinopla-31

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    Combinei com Artur que estaria no Templo no próximo domingo antes do sol raiar e levaria Armanide, se a mãe dela assim o permitisse.  Fiquei só com os meus pensamentos, eles se despediram e se foram logo após Nuno olhar para seu pai, suplicando:
    – Papai, não esqueça de me acordar porque eu também vou!
    Claudia sorriu e o conduziu para fora da casa, sem que houvesse tempo para Artur responder.
    Tudo se encaminhava de maneira que parecia tudo ajustado sem que eu tivesse trabalho de contestar ou encontrar empecilhos. E esta agora? Acho que desta vez Suzana se oporá, Armanide tem apenas onze anos e ainda é uma menina, mas também sei que com esta idade, minha irmã Catarina, fazia tarefas que poupamos nossa filha de fazer, será que não está na hora de a olharmos com outro olhar?
    Desde muito pequena ela se mostrou muito curiosa, aprende tudo com muita facilidade, já sabe ler e desenha tudo que vê.  Tem uma personalidade forte, mas ao mesmo tempo é doce e carinhosa.  Aquela cena que Suzana havia visto antes de sua concepção, aconteceu em uma tarde de domingo, estávamos todos reunidos em nossa casa, inclusive Antron e Catarina.  Suzana serviu o chá e todos sentamos à mesa.  Armanide estava com cinco anos e se sentou em seu lugar habitual, a mesma cadeira que Suzana havia apontado.  Após colocar nam e geléia sobre a mesa, Suzana correu para o quarto, porque Laila, recém nascida, chorou. Armanide falou bem alto porque sentia ciúmes da irmãzinha e queria chamar a atenção de Suzana:
    – Mamãe quero nam com geléia!
    Eu, Antron e Catarina nos olhamos, mal acreditando no que ouvíamos, após alguns segundos, minha irmã olhou para Armanide e falou:
    – Sua mãe esta cuidando da bebê, eu coloco geléia para você!
    Minha filha retrucou chorosa:
    – Não precisa Tica, eu coloco sozinha, já que mamãe tem que cuidar desta bebê chorona.
    Todos riamos com a personalidade forte de Armanide, mas senti que algo havia atingido meu irmão Antron como um raio, ele se calou e na hora de se despedir falou:
    – Preciso pensar no que aconteceu aqui hoje, depois quero conversar com você.
    No mesmo momento que pensava nisso, me lembrava que ele jamais havia tocado no assunto nos anos seguintes.  Ouço bater à porta.
    Levantei-me vagarosamente e me deparo com Antron à minha frente.  Fiquei tão surpreso, que ele percebeu dizendo:
    – Nossa Aimanon! Parece que viu um fantasma!
    Fiquei sem graça, respondi:
    – Você não vai acreditar, estava pensando em você e olha quem me aparece, em carne e osso.
    – Precisava conversar  a sós com você, um diante do outro, sem estarmos caminhando ou rodeado de crianças ou pescadores.
    Pedi que sentasse e servi o chá que Claudia havia preparado.  Após bebermos, pedi que  me dissesse o que o trazia pela primeira vez à casa de Menéas, depois que viemos buscar a estante de livros, a tantos anos atrás.
    Antron, sorriu, saudoso dos velhos tempos.
    – Aimanon, muitas coisas aconteceram desde aquele dia, eu me casei, você já tem seis filhos, ou seja, tudo está diferente, mas tenho certeza que nossa amizade continua a mesma desde que eu era um menino e tinha medo do escuro.
    Respondi movido por uma grande emoção:
    – Antron, você sabe que sempre pode contar comigo em qualquer situação, me diga o que te aflige.
    Abaixando os olhos ele falou, lamentando-se:
    – Aimanon, Miriam é uma mulher muito difícil, apesar de amá-la, não consigo mais conviver em sua companhia, ela não cuida da casa, mal alimenta as crianças e vive dizendo que sou um inútil, pois queria uma casa mais bonita e serviçais, para que não precisasse fazer as tarefas desprezíveis de lavar e cozinhar.
    Era a primeira vez que meu irmão me contava detalhes de sua relação com Miriam.  Sabia através de mamãe que ela não era muito prestimosa, apenas isto.
    Antron prosseguiu:
    – Hoje após a pescaria, fui para casa e contei a ela que te prometi irmos à sua casa uma vez por mês para fazer companhia à sua família, ela ficou possessa, disse que não iria e não permitiria que eu fosse, pois Suzana não merecia tal sacrifício.  Voltei para te dizer isto, ela pensa que estou na plantação, mas tenho que desdizer o que prometi:
    – Não posso ir!
    Ao terminar, soltou um longo suspiro e vi uma lágrima furtiva descendo de seus olhos.  Me levantei e o abracei com o mesmo carinho de anos atrás.  Era uma situação deveras embaraçosa.  Antron se casou com Miriam, certo que tudo correria bem, me lembro ainda hoje, o que me disse antes da cerimônia de seu casamento:
    – Aimanon, tenho certeza que seremos muito felizes, ela é a mulher de minha vida.
    E agora isto? Uma situação tão constrangedora, sem nenhum motivo.  Pedi que se acalmasse e se sentisse livre do compromisso.  Mas sabia que precisava ajudá-lo a prosseguir arcando com a responsabilidade, apesar da postura menosprezível de Miriam.
    Antron queria desabafar e achei que isto seria bom para tranquilizá-lo:
    – No dia do nosso casamento, antes mesmo da primeira noite, ela reclamou de nossa nova casa, que fizemos – você, eu e Lucius – com tanto capricho e cuidado, dizendo que era pequena e mal cabia os pertences que tinha trazido da casa de seus pais.  Durante estes sete anos, relevei todos os dias seus desatinos e mau humor, mas agora estou decidido, não posso mais prosseguir vivendo assim.  Penso em pegar minhas coisas e desaparecer.
     Respondi sem pensar:
     – Antron, isto é uma atitude covarde, seus filhos não tem culpa de nada, você não tem o direito de fazer isto.
      Retrucou contrariado:
      – Aimanon! E qual a solução?
    – Precisa conversar com ela, pedir que se volte para suas obrigações como mãe e esposa.
    – Você diz isso, porque Suzana te ouve.  Miriam soltará uma gargalhada e dirá que não tem obrigação nenhuma e não nasceu para cuidar de crianças e lavar roupas.
    – Antron, vá para casa, reflita melhor, tenho certeza que encontrará uma solução, não é possível que não haja nenhuma.
    Me fitou desconsolado, acho que buscava meu apoio para suas idéias descabidas e como não conseguiu, levantou-se e saiu, sem ao menos se despedir.  Não era possível que tudo o que me disse correspondesse à verdade.  Meu irmão, muitas vezes, na ânsia de buscar concordância em suas atitudes, coloria a verdade, tornando-as adequadas aos seus interesses, mas o  que ocorreu à seguir me fez recapitular.

continuação…

 

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