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Segundo o mercador que havia avisado Múrcio, a embarcação chegaria na primeira terça-feira após dois domingos, se as condições do tempo permitissem. Neste dia, não fomos pescar, e todos, menos vovó e Lucius, nos dirigimos ao porto. Mamãe sempre se distanciava do grupo, pois apressava os passos, tal a sua ansiedade. Ao avistarmos o porto, vimos muitos familiares, Suzana encontrou sua mãe e seus irmãos, pois minha sogra era tia de Artur, assim como Tia Adele e Lucia que eram suas irmãs. Artur era filho de Vicenzo, irmão mais velho das três, ele faleceu quando seu filho era muito pequeno, sua esposa os havia abandonado e fugido para a Grécia. Devido o grande desgosto, Vicenzo se jogou no mar e se matou, na manhã do dia em que Artur completou dois anos, desde então foi criado pelas três irmãs, revezando-se, cada uma ficava com ele durante um ano, mas isto não lhe deixou sequelas. Minha sogra dizia que ele sempre pareceu “ver” além daquilo que todos normalmente viam, quando completou quinze anos veio morar com Tia Adelaide, Suzana e Tio Nuno, foi nesta época que começou à dizer que queria ser Sacerdote e agora víamos seu grande sonho se realizar, e aqui, na terra onde sofreu tantos revezes da vida. Me foi impossível não pensar em Minélus quando me envolvia com estes pensamentos, pois ponderava que Artur tinha motivos concretos para abraçar a vida fútil e não o fez e Minélus alegando motivos irreais pois fim à sua. Supliquei:
– Grande Deus, que mistério é este ?
Aquela voz, que desde o dia que aceitei prosseguir o trabalho de Menéas e me conduzia em todas as situações, me disse:
– Aimanon, todos os homens foram presenteados pelo Grande Deus com algo que os diferencia dos animais irracionais: a inteligência. É ela que comanda as atitudes, aqueles que a usam em sinergia com a razão, sempre optam pelo caminho correto. Aqueles que a utilizam e não ouvem a voz da razão, acabam por enveredar por caminhos onde se busca dopar o corpo para que não se ouça a sua voz, que sempre acompanha a todos, pois antes de nascerem já aprenderam que ela é o leme de todas as existências.
Todos se confraternizaram em frente ao porto. As três irmãs: Adelaide, Lucia e Adele, como mães saudosas não conseguiam conter a felicidade de rever o filho querido. Após duas horas de espera, vimos surgir no horizonte um ponto escuro que após algum tempo foi tomando a forma de uma grande embarcação. Mal contínhamos a ansiedade de rever Claudia e finalmente conhecermos as crianças. Mamãe sorria sem parar, o nervosismo tomou conta de seu corpo fazendo com que perdesse sua habitual sisudez. Quando se aproximaram o suficiente, vi minha irmã na proa da embarcação, carregando uma menina de aproximadamente dois anos ladeada por dois meninos na faixa dos dez anos e também Artur com um bebê ao colo. Éramos aproximadamente cinquenta pessoas no cais, todas gritando e chorando ao mesmo tempo, foi uma cena inesquecível. Quando a nau aportou, mamãe estendia os braços como que dizendo aos Deuses seu agradecimento em ver sua filha feliz ao lado de sua família.
Claudia foi persistente e segura em determinar qual era o seu desejo, na época que mamãe soube que era Artur o novo pretendente, não concordou em aceitá-lo como genro devido seu passado instável e trágico. Ela, insegura com relação à sua atitude, pediu minha opinião e eu disse:
– Mamãe, deixe que Claudia decida, ela já recusou tantos pretendentes, este pode ser mais um.
Foi o que ela fez, marcou o encontro e avisou Claudia, com todos os detalhes de quem se tratava. Quando ele chegou, eu e Suzana estávamos presentes, ao abrir a porta do quarto, Claudia se deparou com aquele rapaz moreno, de olhos azuis e cabelos desalinhados, parou um instante e abriu um sorriso tão doce que eu jamais tinha percebido na face de minha irmã. Artur, ainda de pé, falou por que tinha vindo e disse que queria muito que ela aceitasse seu pedido de casamento, pois apesar de ainda não a conhecer, suas tias tinham sido fiéis à descrição que fizeram, pois ela era linda e ele tinha certeza absoluta que seria a mãe de seus filhos.
Minha mãe me olhou com um ar reprovador, pois esta afirmação, tenho certeza, para ela foi uma ousadia. À seguir Claudia respondeu segura:
– Eu sei que é você o homem que sempre aguardei. Aceito ser sua esposa.
Eu e Suzana nos olhamos abismados, mamãe saiu da sala e se dirigiu ao quarto sem nada dizer, tenho certeza que foi orar aos Deuses pedindo auxilio, pois esta situação para ela era algo novo e de difícil condução.
Claudia e Artur ficaram se olhando por longos minutos, até que Suzana disse:
– Então vamos comemorar. Aimanon, vamos servir vinho aos noivos!
Esta família que agora vejo à minha frente reunida nesta embarcação, já existia naquele dia distante ocorrido a mais de doze anos atrás. Tanto ele, quanto ela, já sabiam que as crianças apenas aguardavam o momento de virem ao mundo. Tenho certeza que as famílias tem muito mais comprometimento do que enxergamos com nossos olhos mortais. Meus doze filhos e Suzana já tinham sido escolhidos e avisados, antes de nos encontrarmos aqui. Perdido nestes pensamentos, percebo que a embarcação acaba de ancorar. Consigo ver claramente as feições de Claudia, ela amadureceu, mas não perdeu a beleza e nem o ar enigmático que sempre a acompanhou. As crianças maiores pareciam muito com ela, mas os traços de Artur eram inconfundíveis, como os olhos azuis e a testa larga.
Finalmente todos desembarcaram, muitas lágrimas foram derramadas pelas três irmãs, elas enxergaram naquela família toda a angustia de perder o irmão e o esforço de criar Artur, recompensados pelo Grande Deus. Mamãe, enfim, pode conhecer seus netos, três meninos : Nuno, Miguel e Enrico e a menina Isis. Enrico era o caçula, tinha a idade de meu filho Ruan, seis meses. Nuno e Miguel, dez e oito anos, eles fizeram uma homenagem a Tio Nuno, isto deixou Tia Adelaide muito feliz e agradecida. A única menina tinha dois anos e era muito parecida com Armanide quando bebê, tinha cabelos negros e cacheados, olhos azuis como safiras, rosto fino e delicado. Meu cunhado prosseguia exatamente como nos vimos pela ultima vez, seus cabelos embranqueceram ligeiramente, mas isto deu um ar mais maduro à sua fisionomia. Quando Claudia me viu, correu ao meu encontro dizendo:
– Aimanon, meu irmão, que saudades de nossas conversas, Artur sempre me dizia que por mais que ele tentasse não conseguia descobrir qual era o segredo que você tinha que me deixava tão saudosa de sua companhia.
Respondi emocionado:
– Irmã, você sempre foi uma ótima ouvinte, eu acho que na época as conversas eram muito gostosas porque éramos crianças e isto nunca mais voltará a acontecer, apenas por este motivo, e é maravilhoso que podemos guardar na lembrança depois de tantos anos.
Catarina apareceu neste momento e disse:
– Claudia precisamos nos encontrar, apenas nós duas, para que me conte tudo que aconteceu nestes doze anos e eu também, pois tenho muito que te dizer.
E assim foi, depois de muitos sorrisos, abraços, demonstração de sentimentos de amor, união e felicidade, voltamos para nossas casas, e eu, carregando a certeza que o que a voz havia me dito que a inteligência embasada pela razão nos leva ao caminho correto, se mostrou a mais absoluta verdade.
continuação…