Constantinopla-16

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   – Aimanon, não fique assim, você deve encarar sua mediunidade como um presente, não como uma carga difícil de ser transportada. Pense em tudo que lhe disse com calma, amanhã venha até minha casa após o trabalho que conversaremos melhor.
    Fiquei um tempo que não consigo precisar nesta posição, com os braços agarrados às pernas e a cabeça entre elas.  De repente, sinto a presença de alguém e quando olho é Antron, acompanhado de mamãe, Catarina e Claudia, me ajudaram a levantar e pediram que ficasse em nossa casa enquanto Suzana permanecesse com Tia Adelaide e os meninos.  Concordei, porque não me sentia em condições de ficar só em minha casa.
    Na manhã seguinte levantei cedo e fui apanhar os apetrechos que necessitava para o dia de trabalho.  Vovó me pediu para que não fosse, mas eu disse que precisava pensar em outra coisa senão enlouqueceria. A imagem de meus tios, tão vivos quanto antes, não me saia da cabeça.  Pensei muito sobre o que Menéas havia me dito mas pouca coisa parecia fazer sentido.  A vida não poderia ser tão pré-estabelecida como me disse, caso fosse verdade porque minha avó Celina passou por tantas dificuldades, se era tão pequena e não poderia ter algo a cumprir com aquela situação que a jogou no desamparo absoluto.
    Caminhei lentamente até o rio, neste dia não houve os cumprimentos efusivos usuais.  Múrcio estava desolado, era muito amigo de meus tios, principalmente Tio Elias, eles aprenderam a pescar juntos, tinham a mesma idade e se casaram no mesmo dia, pois Tia Adele era irmã de sua esposa Lucia.  Muitas vezes, meus tios o convidaram para se juntar a eles, mas Múrcio se recusava dizendo que preferia pescar no rio, por ser mais tranquilo e poderia voltar todos os dias para casa.
    Na volta do trabalho, passei na casa de Tia Adelaide, conversei com Suzana e me dirigi à casa de Menéas, que já me aguardava.  Sentamos na esteira e após tomarmos o chá de melissa que era sua especialidade, perguntou:
    – Aimanon, você pensou em nossa conversa de ontem?
    Respondi:
    – Sim Menéas, mas o assunto é de tão difícil entendimento que confesso não cheguei a nenhuma conclusão.
    – Meu amigo, tudo isto é muito antigo, mais ao mesmo tempo muito novo para você, pense da seguinte maneira:
     – Imagine que dentro de você vive outro Aimanon.
    – Tio Elias já tinha me dito isso antes e é também muito difícil para mim entender, pois o único que sinto e vejo é este que está diante de você.
    – À noite quando você dorme, ou seja, aquele que você vê e sente descansa, o outro Aimanon sai para ir a outros lugares, encontrar amigos, aprender, trabalhar e quando os dois despertam a recordação vem através dos sonhos.
    Aquilo era para mim algo empolgante de ouvir, pois era a primeira vez que alguém me explicava o porque dos sonhos e naquele momento sabia que o que Menéas me dizia correspondia à verdade.  Na ânsia de saber mais perguntei:
     – Então eu vou para outro lugar?
    – Sim, cada cena que você se recorda, se passa onde estão morando aqueles que já morreram.
      –  Aonde se encontra este lugar?
    – Em todos os lugares e em lugar nenhum, pois tudo é formado de uma matéria diferente desta que vemos e podemos tocar. Esta matéria para nossos olhos é invisível, apenas aqueles que são diferentes, ou seja, os médiuns, podem algumas vezes visualizá-la.
     – Meus tios e meus pai vivem neste lugar e também se transformaram nesta matéria invisível?
    – Sim Aimanon, não só eles mas todos os que já foram morar em outro lugar que nada mais é que a casa do Grande Deus, lá é como aqui, tudo é igual e visível para quem mora lá, apenas nós não podemos ver enquanto aqui estivermos morando.
    Tudo começou a fazer um pouco de sentido, mas mesmo assim as dúvidas persistiam.
      – Menéas, mas porque eles não dizem aos médiuns para contar a verdade a todos?
   – Porque a grande maioria não acreditaria e muitos diriam que o médium é um mentiroso.  Você conhece muitos assim, sua mãe é uma delas, ela jamais acreditaria, mesmo se você insistisse muito.
    Menéas tinha razão. Deveria tomar cuidado para não ser confundido com um demente. Meu amigo precisava  me ajudar a conversar com Tia Adele sem que ela pensasse que estava ficando louco.
      – Ontem, durante a cerimônia de cremação vi meus três tios tão vivos quanto antes.
    – Alguns médiuns tem esta habilidade mais desenvolvida e você é um deles, deve tomar um cuidado muito maior, não diga à ninguém sobre estas visões, apenas as utilize para auxiliar.  Converse com eles através do pensamento e se sentir que não estão bem, converse com eles sobre o Grande Deus.  Nunca profira nenhuma palavra, mesmo porque não é necessário.  Neste lugar, todos se comunicam através do pensamento.
     – Meu Tio Elias me pediu para dar um recado para Tia Adele, dizer que ele deixou um bilhete antes de partir, no fundo falso de uma caixa que está em sua casa, onde ele pediu para que ela me desse todos os seus livros. Como farei isto sem que todos saibam que eu conversei com ele?
     – Aimanon, procure sua tia daqui a dez dias e diga que sonhou com seu tio e ele lhe pediu que dissesse a ela sobre a caixa de fundo falso.
    Respondi aliviado:
    – Muito obrigado Menéas por tanta paciência, eu estou começando a entender melhor a tarefa de um médium e tentarei sempre auxiliar os mortos e os vivos.
    – Aimanon, é isto mesmo, a mediunidade é um dom sagrado presenteada pelo Grande Deus aos filhos merecedores deste presente, portanto use-a da maneira correta e aceite-a como sendo uma dádiva.  Jamais imagine que é um castigo porque estará errado.
     Ao me despedir perguntei se poderia compartilhar estes ensinamentos com Suzana e Catarina, ao que ele me respondeu:
    – Claro que sim, elas também são médiuns e precisam saber de tudo que lhe disse.  Logo vocês terão à companhia de outro médium, muito desenvolvido, mas com pouco entendimento e serão vocês a auxiliá-lo a encontrar as respostas.
    Retornei para casa, feliz e aliviado.  Nesta noite dormi sozinho e meditei muito sobre o que meu amigo havia me dito.  Acordei no meio da madrugada sentindo frio, acendi a lamparina e novamente vi Tio Elias, desta vez estava só e com as feições rejuvenescidas.  Saudei-o com alegria e perguntei através do pensamento:
      – Tio, que bom revê-lo, você está gostando de sua nova casa?
    – Sim Aimanon, aqui é igual aí, podemos pescar e até nadar nos rios e nas lagoas, apenas as pessoas são mais felizes e gentis, todas são boas e caridosas.  Eu preciso te dizer que seu Tio Nuno ainda não entendeu que a sua vida junto a Adelaide e os meninos se encerrou, pois ele se nega a aceitar e insiste em ficar na sua antiga casa, peça a Menéas que te diga o que fazer para nos ajudar a levá-lo para nossa nova casa. Tio Percilio e eu te agradecemos muito pelas orações, todas foram recebidas por nós e auxiliou para que pudéssemos prosseguir como antes, trabalhando e acreditando que o Grande Deus é a única razão de tudo que vemos, sentimos e ouvimos.
    Ele desapareceu, eu apanhei uma manta, me cobri e adormeci feliz por poder ajudar Tio Nuno a encontrar o caminho de sua nova casa.

continuação…

 

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