voltar a introdução
12/50
Quando se aproximou o suficiente, beijei sua testa e teve inicio a cerimônia. Sacerdote Ramon vivia no Templo Sagrado, era quem realizava todos os casamentos da família, já era um senhor idoso e dedicou toda sua vida a cuidar dos doentes e auxiliar os que precisavam de consolo como fez com nossa família quando meu pai partiu. Nunca se casou, mas devido sua bondade extrema diziam que a cada dia uma família o convidava para partilhar à refeição e ele considerava a todos seus filhos.
Sacerdote Ramon fez uma pequena preleção sobre a importância do casamento e dos laços familiares. Eu e Suzana ouvíamos como que entorpecidos, o tempo parecia haver parado, quando finalmente terminou, pegou nossas mãos e disse:
– Meus filhos, Suzana e Aimanon, à partir deste momento os Deuses permitirão que vocês deem inicio a construção desta nova família, jamais se esqueçam que os filhos que virão serão fruto do amor de vocês e devem ser criados como tal, com carinho, com delicadeza e principalmente próximos das Leis que regem o Universo. Se é do desejo de vocês dois, estão a partir de agora, casados com a benção dos Deuses.
Todos aplaudiram e eu estava tão feliz que chorei abraçado a Suzana.
Menéas se aproximou e nos disse:
– Vocês dois à partir de agora comecem a cumprir sua missão, a grande família que construirão perdurará por milênios e será a semente de muitas outras que virão.
Menéas nos abraçou e partiu sem participar das comemorações posteriores.
A partir daí foi servida a sopa de lentilhas, tradicional em todos os casamentos, a alegria tomou conta de todos. Catarina veio ao nosso encontro e disse para Suzana que agora ela era também sua irmã, que respondeu:
– Catarina sempre desejei ter irmãs e agora além de um marido ganho uma, tão doce e carinhosa, é muita felicidade.
– Os Deuses farão com que sejamos sempre amigas, eu sinto isso. Afirmou Catarina.
Todos nos cumprimentaram, menos Minélus que misteriosamente desapareceu, mas no momento não percebi, apenas Suzana, quando mais tarde me contou tudo que havia ocorrido no passado.
A festa acabou por volta das quatro horas da tarde, Suzana se trocou, e todos, inclusive meus tios, saímos juntos, cada um carregando viveres e presentes, fomos em direção a nossa nova casa. Eu e Suzana íamos a frente do cortejo, conversando animadamente. Ao avistarmos nosso lar, apertamos as mãos e sem dizer palavras, selamos nosso pacto de amor e união que jamais se quebrou e permitiu que esta história fosse narrada após mais de dois mil e quinhentos anos, por nós dois, Suzana e Aimanon.
Quando lá chegamos, todos ajeitaram o que haviam trazido, se despediram e partiram, inclusive vovó e mamãe. Catarina foi a última a sair dizendo a Suzana que podia contar com ela naquilo que precisasse.
Ficamos só nós dois, rodeados por nossa nova realidade, eu segurei suas mãos e disse:
– Meu amor, nós devemos agora, não permitir que nada interfira em nossa vida.
Ao que ela respondeu:
– Aimanon acima de qualquer dificuldade está nosso amor e é ele que nos sustentará e nos guiará na criação de nossos filhos.
Trocamos um longo beijo e consumamos nossa união. Na manhã seguinte, o céu parecia mais azul, o rio que avistávamos de nossa janela nos saudava com sua mansidão. Neste dia não fui trabalhar, me dediquei a auxiliar Suzana na arrumação de tudo que faltava. Após o almoço recebemos a visita de Catarina que nos trouxe queijo e leite de cabra, pois ainda não tínhamos a nossa e naquela época era o único meio de se ter leite fresco. Enquanto eu cuidava dos varais para estender a roupa, as duas conversavam animadamente, riam muito e eu ao observar a cena agradecia ao Grande Deus por me ter presenteado com duas mulheres tão ternas e amigas.
Os dias foram passando sem maiores acontecimentos. Suzana se mostrava uma esposa carinhosa e solícita, meus sogros e algumas tias já tinham nos visitado, apenas mamãe se mantinha distante. Antron começou a pescar e este era outro motivo para que ela nos evitasse, pois apesar de sua negativa em aceitar que ele abandonasse o milharal, ele se mostrou irredutível e eu o apoiei, o que a deixou muito magoada comigo. Somado a sua antipatia por Suzana ela se mantinha distante, nós aceitávamos sem criticar, apenas aguardando o dia que recapitulasse e pensasse melhor.
Três meses após o casamento, Tio Nuno, Tio Elias e Tio Percilio partiram para uma nova viagem, nós fomos até o porto nos despedir, mas ao contrário das outras vezes, fiquei triste e apreensivo pois no intimo sabia que nunca mais os veria.
Naquela noite, eu e Suzana conversamos muito sobre meus tios. Tio Percilio e Tio Elias haviam nos visitando dias atrás, nós ficamos sabendo de muitos detalhes da vida de nossos avós que desconhecíamos, como que sempre acreditaram na existência de um Deus único. Vovô se chamava Iane e era grego, trabalhava em uma grande embarcação que transportava mercadorias para Constantinopla, certa vez, ao aportar aqui, ele desembarcou para comprar viveres, ao adentrar no mercado de Marcentália se deparou com minha avó Rute que também comprava mantimentos em companhia de seu irmão Túlio, ao pousar os olhos sobre ela se apaixonou perdidamente à ponto de não mais embarcar. Ficou em Constantinopla e tornou-se pescador, após dois anos deste furtivo encontro e já ciente que ela também o amava pediu permissão para seus pais e casaram-se no ano de quinhentos e oitenta e oito antes da Era Cristã, tiveram quinze filhos e nunca se desentenderam, sempre diziam que o Grande Deus os levaria no mesmo dia, foi o que ocorreu, partiram juntos quando o barco em que pescavam sucumbiu a uma tempestade, o que é muito raro neste rio com águas tão calmas onde as chuvas não são comuns.
Tio Elias nos contou que eles transmitiram a semente do Deus único a alguns de seus filhos, principalmente aos mais velhos que conviveram adultos com eles. Perguntei porque minha mãe era tão inflexível em aceitar esta crença que para mim parecia muito mais lógica.
– Aimanon, quando nossos pais morreram sua mãe tinha apenas um ano de idade, a única irmã que poderia cuidar dela era Adelane, pois já era adulta e não tinha se casado, vivia com meus pais em companhia de Ágata de seis anos, Mirna que tinha oito anos e Croele com onze anos. Todos os outros já trabalhavam ou eram casados, por isso Adelane ficou responsável pela sua criação e como sabem, ela é diferente de todos nós. Quando tinha quinze anos estava prometida a um rapaz muito trabalhador e querido da família, filho de Menéas, o advinho. Poucos dias antes do casamento Omar foi encontrado morto a margem do Rio Nilo, tinha dezoito anos e era seu único filho, pois sua esposa havia falecido quando ele nasceu, assim, Adelane se tornou sombria e solitária, nunca mais aceitou se casar, se apegou ao politeísmo para entender o que havia ocorrido, meus pais nunca se opuseram, apesar de não concordarem, pois achavam que se ela encontrava alento para suas dores neste caminho, não deveriam interferir. Quando os dois se afogaram, ela culpou a ira dos Deuses que comandam as tempestades punindo-os por acreditarem que eles não existem e foi isso que ensinou à sua mãe, Tia Ágata e Tia Mirna, na família apenas elas carregam esta rigidez de pensamento.
Eu e Suzana ouvíamos embevecidos, de como meus avós eram sábios e amavam seus filhos, nos víamos no futuro cuidando dos nossos da mesma maneira, ensinando, mas respeitando o caminho escolhido por cada um.
continuação…