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A visita foi longa e ocorreu no último domingo antes da partida, eles partilharam da refeição do meio dia conosco e a tarde fomos juntos à casa de Tio Nuno. Toda a família estava reunida, exceto Tia Croele e seus filhos. Seu marido Cirilo também participou, dizendo que ela era muito teimosa, mas ele era muito grato à nossa família que sempre o recebeu de braços abertos, especialmente Tio Elias que jamais mediu esforços e nunca armou-se de ressalvas para criticar a conduta de sua esposa e de seu filho Minélus.
Meus tios fizeram algumas considerações acerca da viagem, que desta vez contaria com uma nova embarcação, que seria conduzida por primo Rafael, além das três pertencentes a cada um de meus tios. Desta vez ficariam no mar cerca de seis meses e segundo Tio Elias esta seria sua ultima viagem e ao retornar se dedicaria a cuidar de suas plantações, que eram muitas, frutos de uma vida inteira de trabalho. Tio Nuno e Tio Percilio, ao contrário, disseram que morreriam pescando, pois o mar era o paraíso na Terra.
Ao ouvirem estas colocações, Tia Adelaide e minhas tias Ágata e Mirna protestaram, dizendo que os Deuses poderiam ouvir e levá-los, pois estavam chamando a morte. Ficamos constrangidos pelo rumo que tomou a conversa. Suzana levantou-se e falou:
– Papai, Tio Percilio, vocês não devem pensar assim porque só quem sabe como faremos a ultima viagem é o Grande Deus.
Ao observar minha mãe percebi que ela piscava rapidamente e não concordava com o comentário de Suzana. Não houve tempo para socorrê-la pois mamãe disparou:
– Minha nora, vejo que você também se contaminou com estas idéias desprezíveis de um só Deus. O que tenho a lhe dizer é que prepare-se, a vida lhe será muito dura, pois os Deuses te punirão por renegá-los.
O silêncio foi geral, Suzana empalideceu e pensei que fosse perder os sentidos. Naquela sala quase todos os presentes pensavam como eu e Suzana, mas jamais ousavam expressar sua crença diante de mamãe, a mais inflexível de todas as irmãs, que renegavam a crença do Deus único, ou seja, Tia Mirna, Tia Ágata e Tia Adelane.
Inocentemente Suzana havia feito aquele comentário infeliz, ao ouvir a resposta de minha mãe, ficou alguns segundos sem reação e a seguir correu chorando para o jardim, eu corri atrás dela e a consolei dizendo:
– Querida, não dê ouvidos a mamãe, ela tem ciúmes de você, por isso a trata dessa maneira. Ela me olhou soluçando e respondeu em um fio de voz:
– Eu sei Aimanon, mas ela se referiu ao que tenho de mais sagrado que é você e nossos futuros filhos, suas palavras carregam uma maldição que eu não mereço.
Não sabia o que dizer, nos pusemos a caminho de casa, sem ao menos nos despedir de meu sogro e parentes que também partiriam. Ao chegarmos em casa, pedi que Suzana se sentasse na esteira, segurei suas mãos e falei:
– Suzana, meu amor, eu também penso como você, o Grande Deus é único e só a ele devemos nos reverenciar e orar. Ele vê tudo e nos premia conforme nossa retidão de pensamentos e atitudes, preciso te contar algo que aconteceu muito antes de imaginar que me casaria com você.
Contei-lhe sobre as predições de Menéas que eu teria doze filhos e que todos seriam homens e mulheres de valor que lançariam a semente da crença do Deus único por onde passassem e gerariam famílias que prosseguiriam esta predição.
Suzana enxugou as lágrimas que teimavam prosseguir escorrendo por seu rosto e disse me fitando com carinho:
– Você tem certeza que serei a mãe de todas estas crianças? Já fazem três meses que nos casamos e até agora não engravidei.
– Tenho certeza absoluta, no dia do nosso casamento Menéas completou sua predição dizendo que poderíamos dar inicio a nossa missão, você se recorda?
– Sim, no dia entendi que poderíamos ter nossos filhos e formar nossa família.
– E está correto, mas te garanto que serão doze e para tanto logo você estará grávida, me mantenho, sem titubear, crente que isto já está determinado pelo Grande Deus, é só uma questão de tempo.
Ela se acalmou e sorriu dizendo que partilhava da minha fé.
Neste momento, ouvimos bater à nossa porta, eram Catarina e Antron preocupados conosco, pois deixamos a casa de Tio Nuno sem nos despedir. Eu os tranqüilizei dizendo que agora tudo estava bem e que no dia seguinte iríamos ao porto para nos despedir.
Eles nos contaram que após deixarmos a sala, ouve um verdadeiro embate entre os mais velhos, todos revelaram suas crenças e apenas as quatro irmãs se mostraram apegadas ao politeísmo, todos os meus sete tios,Tia Leila e Tia Litizia. Tio Cirilo falou em nome de Tia Croele dizendo que ela, assim como ele, também acreditava no Deus único. Minha mãe ficou estarrecida e protestou dizendo que todos, sem exceção, seriam atingidos pela ira dos Deuses e que infelizmente toda sua família seria dizimada, disse também que seus filhos seriam poupados pois ela e papai os haviam criados da maneira correta, tementes às forças da Natureza que eram regidas por inúmeros Deuses. Catarina e Antron finalizaram a narrativa dizendo que mamãe estava errada e vieram à nossa casa para dizer que compartilhavam a opinião de Suzana, que sabiam também era a minha.
Na época fiquei abismado com esta revelação, como poderia esta crença atingir a quase toda a família de uma só vez, sem que nunca antes houvéssemos aprendido a respeito. No dia anterior, Tio Elias havia nos falado que vovô e vovó não concordavam com Tia Adelane, talvez seus filhos tivessem aprendido com eles, e nós, seus netos, que não o conhecemos e não sabíamos de sua crença, até ontem quando meu tio nos contou. Que força era aquela que tomava várias mentes ao mesmo tempo? Por dias esta pergunta não saiu de minha consciência. Após à partida de meus tios, um amargor me invadiu intensamente, mamãe se mantinha distante, Suzana não engravidava e aquela pergunta martelava em minha cabeça.
Um dia após o trabalho me dirigi à casa de Menéas, pois precisava de respostas e só ele poderia me dar. Ao me ver, abriu um largo sorriso e disse:
– Entre Aimanon, eu o aguardava.
Sorri desconcertado e entrei. Serviu chá de melissa que já estava pronto sobre a pequena mesa ao lado de duas canecas, tentei não pensar nisso e lhe disse, após sorver um grande gole de chá.
– Menéas, preciso que você me diga por que quase toda a minha família acredita no Deus único, sem nunca ter aprendido antes?
– Aimanon, o Grande Deus conversa com todos diretamente, é só não cultivar sentimentos de rancor, inveja, tristeza e desunião que ele nos orienta e diz que todos somos seus filhos queridos. No futuro enviará um filho muito especial, que propagará entre os homens os seus ensinamentos.
– Menéas, mamãe não acredita nisso e espalha predições ruins a todos que o fazem.
– Sua mãe não consegue receber os ensinamentos do Grande Deus porque ainda cultiva sentimentos de mágoa pelo ocorrido com seus avós, o mesmo ocorrendo com sua Tia Adelane que nunca aceitou a morte de meu filho Omar, mal sabe ela que o Grande Deus o levou e já o devolveu ao seu convívio através de seu primo Ramon, filho de Ágata, sua tia que enviuvou e agora mora com Adelane, se ela retirasse a mágoa do seu coração, conseguiria entender, pois entre todas as suas tias, é médium, como sua irmã Catarina e eu. Fiquei curioso com esta nova modalidade de pessoas, perguntei :
– Menéas, o que é ser um médium ?
continuação…