Constantinopla-6

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   Menéas também estava lá, com tudo que precisaria, pois de tanta ansiedade havia me esquecido de ir à sua casa e ele prevendo a minha pouca experiência em ter que lembrar de tantos detalhes me levou o material.
   Múrcio, Tibério, Luane e Teodoro me saudaram e desejaram boa sorte.  Cada um deles tinha seu próprio barco, mas hoje como eu iria acompanhar Múrcio e precisava de alguém para me orientar, principalmente quando lançássemos a rede, Tibério disse que deixaria seu barco ancorado na beira do rio e iria comigo no barco de Múrcio, o mesmo acontecendo com Luane e Teodoro que também partilhariam o mesmo barco, isto porque se ocorresse qualquer eventualidade comigo haveria sempre um amigo para auxiliar e a necessidade de se preocupar com o barco não existiria.
     Isto me deixou mais seguro e agradecido pela preocupação de todos.
   Partimos exatamente às três horas, Menéas permaneceu à margem do rio acenando até que desaparecêssemos no horizonte.  Após dez minutos de navegação comecei a sentir fortes náuseas, nada permanecia no meu estômago, vomitei inúmeras vezes, quando o sol raiou, estava tão debilitado que mal conseguia abrir os olhos, mas não desanimei, tentava me concentrar nas explicações de Múrcio e Tibério, logo percebi que se não tivesse forças mentais não conseguiria comandar meu corpo, pois ele negava-se a se adaptar a esta nova situação.
    Após as dez horas, outra dificuldade me atingiu, o sol forte, não havia no barco qualquer proteção e minha pele sensível ardia à ponto de me deixar avermelhado.  Apesar de tudo, tentava buscar forças junto ao Grande Deus, pedindo que me permitisse conseguir aprender.  As redes foram lançadas logo às primeiras horas, os homens se ocupavam agora do manuseio do artemeio, sentados nas laterais do barco, eu, Múrcio e Tibério lançamos as nossas iscas e aguardamos.
    Olho para a água, pequenas ondulações me chamam a atenção e de repente sinto a linha entre meus dedos tremer e ser puxada por algo descomunal.  Tibério corre ao meu auxilio, enrola a linha no tosco pedaço de madeira e puxa o grande peixe, o maior que já tinha visto e o primeiro de muitos.  Ele se debate muito, mas mesmo assim conseguimos retirá-lo da água. Quanta felicidade, todo o incômodo que sentia desapareceu e só me restou agradecer ao Grande Deus tanto amor por mim e por minha família.
    Tibério e Múrcio me felicitaram e disseram que tinha sangue de pescador nas veias, se não fosse assim este peixe não escolheria minha isca para abocanhar.
    O dia ainda reservava muitas surpresas, outros cinco peixes escolheram meu anzol e quando via os seis peixes no fundo do barco tive a certeza que conseguiria substituir meu pai e alimentar a todos.  Por volta das duas horas da tarde após uma refeição composta de pão, nozes, avelãs e frutas secas e um curto descanso nos preparamos para retirar as redes.
    Este trabalho exige muita força e coordenação, as redes maiores necessitam de muitos braços e não é possível retirá-las sem um trabalho de paciência e esforços coordenados.  Ajudei no que pude, os dois barcos se alinharam lado a lado e cada pescador recolhia lentamente uma ponta da rede, quando a última porção aflorou acima da superfície, vi milhares de peixes saltando.  Este momento é o que sempre chamei de visão da graça de Deus em forma de alimento.  Recolhemos o que restava das redes e colocamos os peixes no fundo dos barcos que de tão cheios, se tornaram difíceis de serem conduzidos, demoramos muito para voltar, à ponto de quando aportamos muitos amigos já estavam preocupados e apreensivos.
    Ao colocar os pés no chão, me sentia totalmente revigorado, apesar do estômago praticamente vazio e a pele já apresentar algumas bolhas ao longo dos meus braços.  Só conseguia pensar que havia conseguido e superado todas as dificuldades.
    Menéas me aguardava à beira do rio e quando viu o barco cheio de peixes, abriu um largo e bondoso sorriso e disse:
    – Aimanon tinha certeza que tudo correria bem.  Nosso Grande Sábio jamais exige de um filho uma tarefa que ele não possa realizar  e você provou, que pode sim, através de um trabalho digno substituir seu pai nesta empreitada de criar seus irmãos e proteger sua mãe e avó.
    Corri em direção a ele e o abracei muito, ele era agora meu amigo mais querido.  Os peixes foram todos divididos igualmente em cinco partes, inclusive os que eu havia pescado.  O cesto que Menéas me deu, ficou tão cheio que mal conseguia carregar.  Múrcio e Tibério me disseram para ir com eles até o mercado de Marcentália que ficava muito próximo para vendermos parte dos peixes e apenas levar para casa o que necessitávamos, pois eles se decompõem rapidamente e não há como estocá-los, naquela época ainda não se usava salgar os peixes para conservá-los.
    Vendi os peixes e consegui dinheiro suficiente para comprar alguns mantimentos como arroz e farinha que já começavam a faltar, pois antes de morrer papai havia ficado dez dias sem trabalhar e nossos víveres já estavam escassos.
    Este dia foi inesquecível, toda a angustia e incerteza substituída por algo novo, que hoje sei que era a certeza de não estar só, meu coração sabia que o Grande Deus é nosso amigo e companheiro, nos protegendo e trazendo direcionamento para nossas dores.
    A chegada em casa foi triunfal, estava tão feliz que mal senti o peso da carga pesadíssima que carreguei.  Mamãe me viu chegando ao longe e correu em minha direção, mal acreditando no que via.  Levou a sacola com os peixes, enquanto eu, os mantimentos.  Aquela noite, foi sem dúvida, a mais importante de minha vida,  à partir daí soube precisar o valor da força da mente e do trabalho, mesmo em condições tão adversas.
   Mamãe e vovó prepararam com muito amor a refeição da noite.  Antron e Claudia não se cansaram de ouvir os detalhes de como tinha sido meu primeiro dia como pescador.  A comida estava deliciosa, o peixe grelhado era o meu prato favorito, mas até este dia, raríssimo em nossa mesa.
    Cada um de nós fez sua oração de agradecimento aos Deuses que nos dá a possibilidade de conseguir alimento, pois tanto mamãe quanto vovó não aceitam a crença do Deus único, o politeísmo era a religião que imperava na época e toda a família se apega nestas antigas tradições e não se mostram dispostos a mudar.
    Novamente, outro dia de trabalho árduo e assim sucessivamente durante muitos meses, via meus irmãos crescerem rapidamente, Triciana começou a andar e a falar, mamãe, vovó, Claudia e Antron cuidavam das plantações como podiam.  Catarina e Lucius ficavam em casa com as meninas pequenas, e assim a vida prosseguia sem grandes dificuldades, até que um dia cheguei da pescaria, senti uma forte dor de cabeça, tão forte que abrir os olhos era muito difícil, mamãe colocou folhas de mirra na minha nuca, mas nada parecia fazer efeito, aquela noite passou sem que conseguisse conciliar o sono e quando chegou a hora de sair mal conseguia me mover, mamãe disse que pediria a Antron que chamasse o Grande Sacerdote para orar e receitar ungüentos, mas eu implorei que trouxessem Menéas, o adivinho. De inicio não concordou, mas sabendo do meu carinho por ele e da eterna divida por ter me auxiliado em um momento tão difícil, assentiu, contrariada.

continuação…


 

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