Na manhã do oitavo dia após a decisão de empreender tão arriscada caminhada, estava tudo pronto: os dezesseis fardos amarrados com tiras de folhas de bananeira; os bornais com algumas sementes e frutos para que os homens tivessem algum alimento à mão; um cajado, para que cada um pudesse ter um apoio, pois os fardos seriam transportados nas costas. Jonas, como sempre, foi o primeiro a se levantar, tomou seu desjejum e foi reunir o grupo para darem início a busca por independência financeira. Mal sabia ele, que seu pai o observava ao longe, pedindo ao Grande Deus que os acompanhasse em cada passo. Por outro lado, todas as mulheres e crianças se ajoelharam no centro do acampamento e oraram para que eles tivessem proteção e sucesso na empreitada. Após a emocionante e singela cerimônia, os homens se aproximaram e se despediram dos filhos e das esposas. Luizinha e Laércio se beijaram à vista de todos, causando comentários maldosos de Tânia e Nair. A esposa de Terêncio disse a amiga:
– Ainda bem que meu marido conseguiu convencer o cabeça dura do Jeremias, pois se isto não acontecesse, logo teríamos um bebê sem pai.
Nair respondeu sem pestanejar.
– Você tem razão, os dois jamais esperariam muito mais tempo para consumarem a união, com ou sem consentimento.
Ana, que estava ao lado das duas e ouviu as palavras tão desabonadoras, disse:
– Vocês não deveriam dizer tal coisa, Luizinha é uma filha exemplar, jamais faria o que quer que seja contra a vontade do pai e Laércio é um jovem honesto e respeitador.
Tânia ficou furiosa ao ouvir tal colocação, ela detestava Ana, devido a paixão platônica que nutria por Rafael, mas calou-se novamente. Apenas assentiu com a cabeça e se afastou. Nair olhou para Ana e disse:
– Ana, você não devia contrariar o ponto de vista de Tânia, ela é vingativa e maldosa. Eu só concordei com o que ela disse porque tenho medo que ela faça algo contra meus filhos. Prosseguiu:
– Quando morávamos em Verona, muitos vizinhos diziam que ela gostava de praticar bruxaria, você nunca soube por que morava em outra vila.
Ana olhou fixamente para Nair e disse:
– Eu sempre soube disso, mas também sei que não devemos omitir nossa opinião, mesmo diante de pessoas maldosas e vingativas. Também sei que ela não gosta de mim, mas também não me interessa o motivo, pois nunca fiz nada que pudesse causar qualquer mal-estar entre nós.
Neste momento, Josias se aproximou para se despedir de Nair. Ana buscou Rafael com o olhar e viu Tânia se aproximando dele, do outro lado do acampamento, ficou observando ao longe e sentiu algo totalmente desconhecido desde que se casaram: ciúmes. Em uma fração de segundos ela afastou este sentimento fugaz e dirigiu-se a passos largos para onde estavam Tânia e Rafael. Ao chegar mais perto, ouviu da pretensa amiga:
– Rafael, rezarei para que você encontre o tal local onde encontrarão compradores para os fardos de algodão.
Ana adiantou-se ao marido e disse:
– Não se preocupe Tânia, cuide de seu marido que ficará ao seu lado. O meu, já está protegido pelo Grande Deus, que tenho certeza, não só cuidará de todos como também os guiará na direção correta onde encontrarão o que tanto procuram.
Rafael ficou confuso com a reação de Ana, pois ela sempre foi dócil e cordial com todos, e neste momento ele sentiu uma ponta de arrogância. Tânia ficou lívida, de tanto que contraiu a musculatura, queria responder à altura, mas no momento nada lhe ocorreu, apenas se afastou com um sorriso sarcástico nos lábios. Assim que ela se afastou, Ana, agarrou o pescoço do marido e disse no seu ouvido:
– Querido, não se preocupe com o que eu falei para Tânia, senti que ela estava se interpondo entre nós, por isso reagi daquela maneira.
Rafael, com seu usual bom senso, disse:
– Ana, eu já tinha percebido as atitudes estranhas de Tânia mas acho que é devido à falta de diálogo que ela tem com Terêncio, se eu não der ouvidos, como tenho feito, logo ela mudará de atitude.
Mal sabia ele, que a esposa do amigo, estava decidida a tê-lo para si, nem que para isso tivesse que tirar Ana do caminho.
Após a demorada despedida, todos os dezesseis homens se colocaram a caminho do mar, desta vez seriam uma hora de percurso, algo que normalmente eles faziam em meia hora. Mas hoje, com a carga nas costas, a caminhada seria mais penosa, pois entre eles e a costa havia uma infinidade de pedras. Caminharam em silêncio absoluto, mas cada um, à sua maneira, pedia proteção e amparo ao Grande Deus, pois ninguém sabia ao certo o que realmente os esperava. Quanto finalmente avistaram o mar, Jonas se manifestou pela primeira vez:
– Vamos descansar um pouco, nos alimentar, prosseguiremos seguindo o lado que o sol nasce.
Todos os homens estavam exaustos, com o peso do fardo que se aproximava dos vinte quilos. Assim que se sentaram, Atílio disse em voz eloquente.
– Pessoal, vamos desistir daqui, não podemos caminhar mais com este peso nas costas. Deveríamos ter feito como fizemos quando estávamos na Vila Cantar, saímos em busca dos campos férteis, sem carga nenhuma e quando os encontramos voltamos e avisamos o grupo.
Alberto não tinha forças para retrucar, foi Jonas, que respondeu:
– Cale-se Atílio, se quiser, volte você, dividiremos seu fardo e prosseguiremos. A menos que mais alguém também queira desistir, pois, desta vez fizemos o correto. Precisamos de dinheiro para comprar viveres, roupas e mais equipamentos, não adiantaria começarmos a caminhar de mãos vazias, precisamos arriscar.
Atílio abaixou os olhos, balançou a cabeça concordando com o irmão, mais ninguém reclamou da estratégia combinada. Após meia hora de descanso, prosseguiram a caminhar lentamente; por três vezes, Alberto tropeçou e fez com que todos tivessem que parar novamente. Ele estava muito cansado, algo que não era normal, geralmente era o mais animado e disposto dos irmãos. Tinha trinta anos e dez a mais que Atílio, por isso, ainda relutava em tratá-lo como adulto que era, aturando seus rompantes de mau humor que às vezes beirava ao desrespeito. Jonas e Josias começaram a ficar muito preocupados com o irmão, que dizia que estava bem, mas aparentava falta de equilíbrio e estava com a fala arrastada. Mesmo assim prosseguiram firme por mais quatro horas, até que um ponto entre o mar e as pedras os chamou a atenção. Jonas pediu que todos parassem e descansassem, ele iria prosseguir em companhia de Josias para verificar o que era que eles estavam avistando, apesar de ao longe parecer ser uma embarcação. À medida que se aproximavam do ponto que avistaram, algumas casas iam se delineando, até um grande depósito de cereais podia ser distinguido. Josias não cabia em si de contente, comentou com o irmão:
– Jonas, você está pensando o mesmo que eu?
– Sim irmão, certeza absoluta que estamos prestes a chegar ao local que nos libertará do jugo do trabalho sem recompensa.
continuação…