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Raramente Uruãn interferia na minha vida familiar, mas numa tarde quando me encaminhava para casa ouvi-o dizendo:
– Aimanon – pare um pouco – precisamos conversar longamente.
Eu levei um susto, pois não era comum este tipo de solicitação. Sentei-me no chão e aguardei suas palavras:
– Hoje Armanide faz dezoito anos e você receberá uma visita, peço que se mantenha calmo e pondere sobre as palavras que pronunciará.
Eu de pronto não entendi, mas me bastou um instante de reflexão e desvendei o enigma. Uruãn prosseguiu.
– Como você tem total conhecimento, o Grande Deus te deu uma oportunidade de prosseguir esta vida terrena, mas isto apenas para deixar tudo arranjado para que Suzana e as crianças possam prosseguir suas tarefas sozinhas, pois a sua se encerrou no momento da concepção de Artur. A missão de hoje é de suma importância, pois sua filha necessita iniciar a estrutura de sua família, pois deverá acolher seis espíritos, entre eles dois seus velhos conhecidos: sua avó Celina e seu Tio Firlias. Portanto, não se angustie e nem julgue antecipadamente seu futuro genro, ele também é alguém que já fez Armanide muito feliz.
Quantas revelações! – pensei apreensivo – não me sentia confortável de posse de tantas informações, não via utilidade, a não ser me trazer mais insegurança e temor. O fato de saber que meus netos já terem sido minha avó e tio, era algo inaceitável dentro do pouco esclarecimento que tinha. Já acreditava piamente na vida após a morte e na reencarnação, mas receber estes espíritos novamente como bebês indefesos não poderia ser crível. Decidi perguntar a Uruãn:
– Mas porque me diz tudo isto? A vida já é muito difícil sem carregar este peso, agora quando Armanide engravidar não poderei saborear a leveza de ser avô, se me verei diante de pessoas que dirigi respeito, me colocando sempre em posição de conduzido e não de condutor?
Uruãn me respondeu paciente:
– Retomemos sua trajetória nesta vida. Um dia, Menéas te disse que você era um intermediário do Grande Deus, posição esta, que todas as pessoas alcançarão um dia, e você já havia atingido. Começou a trabalhar como médium de cura e agora contesta uma tarefa, que só é concedida a um médium que aceita sua condição e inicia seu trabalho?
Fiquei aturdido… ou eu entendi mal, ou ele quis dizer que isto é natural e faz parte de minhas atribuições, ou melhor, tribulações? Insisti com Uruãn e contestei:
– Qual diferença faz eu saber ou não que minha avó poderá ser minha neta?
– Faz toda diferença – respondeu Uruãn. Primeiro, é uma prova concreta da reencarnação, pois no momento que ela começar a interagir com a família, verá em sua neta, não só a personalidade, mas também a postura tanto física como espiritual de sua avó. Seu neto terá o mesmo espírito aventureiro e correto de seu Tio Firlias. Segundo, que isto prova a condescendência do Grande Deus em premiar filhos merecedores, dando a eles o conhecimento de acontecimentos futuros. Se você se negar a aceitar esta carga é só solicitar que esta conversa será apagada definitivamente de sua consciência – agora!
Uruãn me colocou contra a parede, e não via outra alternativa, senão aceitar mais este fardo, argumentei novamente:
– Digamos que concorde, mas isto é algo que jamais poderei revelar a ninguém e se ficar só comigo não fará diferença alguma, pois já acredito na reencarnação. Uruãn respondeu, desta vez menos carinhoso:
– Aimanon, acreditar é uma coisa, ter provas concretas é outra, você terá muito mais credibilidade mesmo não podendo dizer: Minha filha que ainda é solteira, sem pretendentes, se casará com alguém que já a fez feliz e terá seis filhos, sendo que entre eles nascerá minha avó Celina e meu tio Firlias. Quando quem detêm a palavra, sabe que o que diz é verdadeiro, dificilmente o ouvinte não acreditará. Simples assim.
– Esta bem Uruãn – respondi contrariado – creio que tem razão. Não mais contestarei, quero fazer o meu trabalho da melhor maneira possível, portanto, se o que me disse é necessário, aceito de bom gosto.
Levantei-me e prossegui caminhando, me esquecendo do inicio da conversa, ao longe, avistei Suzana sentada no banco do jardim de nossa casa – aparentemente me esperando. Quando me viu correu ao meu encontro, me abraçou e falou:
– Querido, tem um rapaz na sala te esperando, disse que tem um assunto muito importante a tratar com você, esta aguardando a quase uma hora.
Instantaneamente percebo Uruãn sorrindo – as palavras saem da minha boca sem passar pela consciência:
– Onde está Armanide?
– Aimanon – você me ouviu?
Disse que sim, mas insisti, querendo saber de Armanide.
– Ela esta na casa da avó com Laila e Ruan desde cedo, ajudando a moer o milho para alimentar as cabras.
– Acho que já sei o assunto, respondi sem maiores rodeios.
Entrei em casa e vi sentado na cadeira, com ar desconfortável, o rapaz franzino e de ar adoentado, mas desta vez, sem o pai. Suzana a meu pedido permaneceu na sala. Ele se levantou, me cumprimentou desajeitado, estava mais forte e corado, mas mesmo assim seu olhar insistia em fugir do meu.
Pedi que me dissesse o que o trazia à minha casa – falou pausadamente:
– Sei que Armanide completa dezoito anos hoje e gostaria de pedir aos senhores que me concedam a oportunidade de desposar sua filha.
Suzana nem imaginava o que ele pretendia, mas como da outra vez falou primeiro, tendo agora minha concordância.
– Meu jovem – aqui em casa quem decide suas vidas são nossos filhos, portanto, só ela poderá te dar a resposta.
Completei sereno:
– Volte amanhã, pela manhã. Aliás, como se chama?
Respondeu, parecendo ter recebido uma reprimenda.
– Meu nome é Adolfo Esquizavele, tenho muita admiração pelo Senhor e sua família.
Suzana, neste momento disse, reticente:
– Mas você não é aquele rapaz que nos ajudou a concluir nossa casa?
Ele abriu um largo sorriso e fixando o olhar em Suzana, como nunca havia feito comigo, falou:
– Sou, eu mesmo, aquele foi um dia inesquecível, desde os meus treze anos sonho em desposar sua filha e foi naquele dia, convivendo com vocês que tive certeza absoluta que ela seria mesmo minha esposa.
– Como assim? Pensei eu – com uma ponta de irritação. Outro médium?
Respondi com arrogância:
– Agora me lembro, você é sobrinho de Tibério, mas naquela ocasião ele me falou que você era comprometido!
– É verdade Senhor. No dia que meu pai e eu fomos até à casa de Menéas pedir a mão de Armanide em casamento e nos disse que o Senhor e sua esposa só considerariam pedidos após seu aniversário de dezoito anos, meu pai ficou muito bravo, falou que aquilo era um absurdo, nenhum pai em sã consciência aguarda sua filha completar esta idade para autorizar que se case. Exigiu que eu não mais tocasse no assunto e que escolhesse outra esposa. Foi o que fiz. Pedi Augusta, uma vizinha e amiga de infância, em casamento e ela concordou. Os preparativos já estavam adiantados quando tio Tibério e Antron me convidaram para auxiliar na construção dos cômodos e eu aceitei. Naquele domingo, quando pela primeira vez fiquei frente a frente com Armanide, tive certeza absoluta que se não fosse com ela não me casaria com ninguém – até aquele dia, eu a havia visto apenas três vezes, todas rápidamente: no mercado; na casa de Catarina e Ahimon; e quando foram até minha casa levar panfletos e nos convidar para irmos ao Templo, foi quando me apaixonei por ela, eu tinha treze anos e ela doze. Naquele mesmo dia, ao voltar da casa de vocês, rompi com Augusta, meu pai quando soube que havia desfeito o compromisso, ficou possesso, me expulsou de casa. A quase três anos moro sozinho, trabalho duro, sou estivador. Tenho uma casa perto do porto, e aguardava ansiosamente que este dia chegasse.
Quando parou de falar, eu e Suzana nos entreolhamos atônitos, ela como sempre tomando a iniciativa nos momentos difíceis.
– Adolfo – falou calmamente – faça o que meu marido lhe pediu, volte amanhã e converse pessoalmente com Armanide.
Ele se despediu e se foi, aliviado por dar inicio a concretização de seu sonho.
continuação…