Constantinopla-37

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    O domingo prosseguiu com muitas surpresas, as crianças se mostravam atentas, mas mais contidas, após a longa conversa que tivemos com os dois.  No final da tarde, eu e Armanide conversamos muito sobre a família de Gregório.  Caminhávamos tão entretidos que não vimos Catarina e Ahimon que vinham em nossa direção.  Nossa irmã nos saudou como sempre, rodopiou Armanide até esta dizer:
    – Pára Tica! Estou tonta!
    Meu cunhado nos cumprimentou cerimoniosamente, como era de seu feitio, nos disse:
    – Estamos vindo da casa de sua mãe, sua avó está com muita dificuldade de respirar, vá até lá que vamos chamar Artur.
    Assenti com a cabeça, sem nada dizer, sabia que isto estava prestes a acontecer.  Deixei Armanide em casa e me dirigi à casa de mamãe com Suzana e Ruan, pedi que todos cuidassem de tudo na nossa ausência.
    Vovó estava prestes a partir, foi o tempo de Artur e Claudia chegarem, oramos todos juntos.  Ela morreu com um sorriso nos lábios, crente que tinha cumprido sua missão.  Nossa família devia muito à força de caráter e o gérmen do trabalho a essa mulher tão especial; mesmo tendo uma vida tão dura, jamais se entregou, lutou até o último  momento.  Mamãe nos disse que ontem ela pediu que quando algum de nós, mesmo daqui a muito tempo, encontrasse com seu filho Firlias, que partiu para Grécia e nunca mais voltou, e nem deu noticias; por favor, lhe disséssemos que jamais o esqueceu, sempre orou para os Deuses que o protegesse e que seu ultimo desejo seria vê-lo feliz, realizado e rico como ele sempre quis.  Nos emocionamos quando mamãe contou seu pedido e todos se comprometeram em cumprir o que ela solicitou.  Artur se antecipou, dizendo que com o nome completo não seria difícil encontrá-lo, pois na Grécia todos se conhecem e ele tinha muitos amigos que poderiam ajudar.
    Foi o que aconteceu, passados dois meses da morte de vovó,  Tio Firlias veio nos visitar.  Era muito parecido com papai, alto, de olhos azuis, próximo dos sessenta anos, conversava muito e nos contou que nos últimos anos trabalhou duro, mas conseguiu se tornar rico e respeitado; era proprietário de várias murtas, ou seja, bancas de frutas  que se espalhavam por muitos mercados, tanto na Ilha de Míkonos, como em Atenas. Tinha propriedades que produziam as frutas, principalmente maçãs e pêssegos que eram comercializadas por seus filhos que totalizavam oito homens e nenhuma mulher, era viúvo, sua esposa faleceu de febre a dois anos. Ao todo eram vinte e cinco netos, de seis filhos, sendo que dois homens haviam partido para o Oriente e lá viviam, e ele sabia que um deles tinha lhe dado mais dois netos e o outro se tornado monge e agora morava em um templo na China.  Este filho era muito especial, desde pequeno se dizia enviado e que não poderia ficar muito tempo conosco.  Sua esposa achava que era porque ele morreria jovem, mas estava errada, aos dezesseis anos partiu, dizendo que deveria cumprir o que o Grande Deus lhe pediu, apenas depois de alguns anos, soubemos através de uma carta que ele estava bem e cumprindo sua missão, que até hoje Tio |Firlias não sabia qual era.
    Toda esta narrativa ocorreu em um domingo, na casa de mamãe, ele havia chegado no dia anterior de surpresa vindo de Atenas.  Mamãe pediu que todos viéssemos almoçar em sua casa sem dizer o motivo.  Quando chegamos, o reconhecemos imediatamente, era papai um pouco envelhecido.  Catarina levou um choque, apesar da pouca idade quando nosso pai partiu, foi a que mais demorou para se recuperar, pois o amava acima de qualquer coisa.
    Tio Firlias era muito prosa, falava… falava…. sem se cansar, assim como vovó.  Durante quase duas horas contou toda a sua vida, de cada um de seus filhos e até de alguns amigos e parentes de sua esposa.  Encerrando o monólogo falou:
   – Meus sobrinhos, sempre tive vontade de retornar para visitá-los, sentia saudades de minha mãe e de meu irmão, mas o tempo foi passando e o trabalho me envolvia completamente.  Soube que Simeão havia morrido através de Ciro, um amigo de infância que se mudou para ilha, nos encontramos casualmente, isto no ano passado.  Como já estava viúvo, pensei em vir até aqui conhecer meus sobrinhos e rever mamãe, mas o Grande Deus não permitiu, apesar de que o pedido dela antes de morrer ter me deixado aliviado.  Foi um mercador que aportando em Míkonos me disse que a família procurava o filho de Dona Celina, pois ela havia feito um pedido antes de morrer. Arrumei minhas coisas e vim para cá.  Linizia me disse o ultimo desejo de mamãe, quero dizer a todos que os Deuses a ouviram, pois me considero feliz e tenho o suficiente para proporcionar uma vida boa para minha família.
    Enquanto Tio Firlias falava, sentado na grande mesa e rodeado por toda a família, vi vovó Celina em pé ao seu lado. Estava mais jovem, vestida de branco e com uma coroa de madressilvas na cabeça, seu olhar era terno e doce.  Ela percebeu que eu a visualizava e sorriu para mim, sem nada dizer.  Foi uma visão maravilhosa, ela me pareceu feliz e de uma tranquilidade contagiante.
    O encontro transcorreu sem maiores acontecimentos, a não ser quando Artur fez uma revelação surpreendente:
    – Preciso dizer algo que jamais pensei se relacionar com a família de Claudia.  Logo que fui para Grécia pela primeira vez, aportei primeiro na Ilha de Míkonos, precisava trabalhar e descobrir onde poderia encontrar uma escola para estudar e me tornar Sacerdote.  Após três dias, quando o pouco dinheiro que levava já havia quase terminado, sentei-me em uma pedra em frente ao mar, orei pedindo auxilio e orientações ao Grande Deus. Terminada a oração, vi um garoto, quase da minha idade, também sentado, aparentemente descansando.  Quando me viu, se aproximou dizendo:
    – Sou Marco, filho de Firlias e Meriane, você precisa de ajuda?
    Dito isto, meu tio arregalou os olhos, pois em nenhum momento disse o nome de sua esposa e de seus filhos.  Gritou de emoção!
    – ARTUR!  O menino que queria ser Sacerdote?  Casado com minha sobrinha!
    Os dois se levantaram e se abraçaram longamente.  Artur prosseguiu:
    – Marco me ouviu atentamente. Disse que tinha vindo de Constantinopla com o objetivo de estudar, mas que talvez tivesse que voltar, pois se eu gastasse o pouco dinheiro que ainda tinha, nem isso poderia fazer.  Ele me disse que seu sonho era também ser um missionário, para que pudesse ensinar aos homens a verdadeira razão de estarmos vivendo juntos nesta terra abençoada.  Me propôs que fossemos até sua casa e conversássemos com seus pais, pois ele tinha certeza que não se negariam em me ajudar.  Quando cheguei, me surpreendi! Era a maior casa que já tinha entrado, cheia de quartos, um para cada filho.  Fui recebido com certo receio por seus pais, mas logo após me apresentar e dizer o que queria na Grécia, se prontificaram em me ajudar, pois sabiam que Marco breve poderia estar na mesma situação que eu.  Firlias me disse apenas que para ficar precisava trabalhar como todos os seus filhos e me acolheu com todo carinho.  Comecei a trabalhar no mercado, recebia um bom salário e ele me dizia para guardar o dinheiro para um dia voltar e visitar minhas tias, pois um homem nunca deve esquecer-se de onde veio.
    Nesta altura do relato de Artur, meu tio em silêncio, chorava copiosamente.
    – Morei dois anos com a família, até a partida de Marco, quando isto aconteceu; me mudei para Creta, pois sabia que era lá que encontraria o que procurava. Com o dinheiro que havia guardado e a experiência adquirida nestes anos, me estabeleci no mercado da cidade, vendendo especiarias e temperos, que comprava de produtores que com o tempo se tornaram meus amigos e em especial Crerêncio, que sabendo o meu desejo de rever minhas tias, se ofereceu para cuidar de meus negócios e de minha casa enquanto fosse para Constantinopla revê-las. Nesta época já tinha terminado dois anos de estudos e ainda faltavam muitos, de inicio titubeei, mas a conselho de Sacerdote Armon parti, pois me falou seguro:
    – Artur, vá, porque é lá que está sua esposa, ela te aguarda a muitos anos.  Case-se com ela e volte, seus filhos nascerão gregos. Quando ele fez esta afirmação, não pensei duas vezes, pois o que sempre desejei, além de aprender os mistérios da vida, era ter uma esposa e filhos.
    Olhava para Claudia com tanta ternura que até me emocionei.

continuação…

 

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