Constantinopla-44

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    Suzana largou a panela e ficou paralisada em ver a alegria de nossa filha, antes que conseguisse se  recompor, nossa filha prosseguiu:
    – Mamãe ele veio mesmo e quer se casar comigo!
    Todas as crianças entraram na sala atraídas pelos gritos de Armanide.
    Túlio foi o primeiro a falar:
    – Tudo isto porque você vai se casar? Aposto que está tão feliz porque não vai morrer solteira!
    Suzana se voltou para ele e o repreendeu firmemente.  Meu filho mais velho demonstrava ter muito ciúmes da irmã, muitas vezes o flagramos;  zombando e a inferiorizando diante de estranhos, isto era para mim um mal que devia ser superado, pois envenenava a amizade e trazia sentimentos de pouca vibração.
    Minha filha estava tão feliz que mal deu ouvidos às palavras de Túlio.  Abraçou Suzana e cada um dos irmãos. Disse em tom de despedida.
    – Família! Vou me casar, o meu amor me pediu em casamento!
    As crianças vibraram de alegria – mas uma voz chorosa se levantou, – mexendo com a felicidade de Armanide, era Laila:
    – Amanide você vai nos deixar… não quero que more muito longe, pois vou te ver todos os dias, assim como Tica fazia antes de se casar e morar longe.
    Pensei neste momento:
    – O porto fica a quase duas horas de caminhada daqui, é claro que ela não poderá ver a irmã todos os dias – mais uma vez tirava conclusões apressadas.
    Armanide respondeu serena:
    – Laila, vou conversar com meu noivo e tenho certeza que não discordará de morar aqui perto.
    Todos foram dormir satisfeitos, menos eu.  Depois de anos sabendo que era médium e convivendo com minha mediunidade sem maiores contestações, me sentia naquele dia manipulado, como se não fosse capaz de tomar decisões sem a interferência de Uruãn.  Todo o episódio do pedido de casamento me vinha à mente como se fosse repetição de um filme.
    As cenas foram todas dirigidas por Uruãn, então onde entrou minha opinião?  Talvez eu não conseguisse lidar com a situação de maneira tão hábil, mas eu tinha o direito de errar sozinho. Este pensamento me consumiu toda a madrugada, após horas me sentindo um  marionete conduzido pelos dedos de Uruãn, adormeci.
    Sonhei um sonho tão real, que no momento acreditei que estava acordado e vivendo aquela situação. Me vi num amplo jardim, com flores e fontes – que só conhecia através de algumas ilustrações em um livro de Tio Elias, discorrendo sobre a capital do Império.  Delas jorrava água cristalina que caia suavemente qual uma névoa translúcida sobre um grande recipiente de mármore branco onde se viam pássaros das mais variadas espécies se suprindo do liquido precioso.  Observando melhor, distingui inúmeros cardumes de peixes coloridos, nadando e recebendo as gotículas de água sobre seus corpos.
    Extasiado com tanta beleza, não percebi que um Senhor de barbas brancas, trajado elegantemente com vestes que desconhecia e que no futuro descobri que era terno e gravata, sentou-se em um banco próximo de onde eu me encontrava. Repentinamente uma das fontes regurgitou e lançou um jato mais potente, dei um passo para trás e só naquele momento me certifiquei de sua presença.  Ele me saudou sereno e me pediu que sentasse ao seu lado batendo levemente com a palma da mão o lado vazio do banco.  Entendi o seu gesto, sentei-me ao seu lado e aguardei que ele tomasse a palavra:
    – Aimanon, nós estamos agora em um futuro muito distante, eu sou seu amigo Menéas que hoje se chama Antônio e vivo em um País que foi escolhido para ser a Pátria do Evangelho, não tente entender racionalmente que não conseguirá, apenas te peço paciência e discernimento. Hoje é muito difícil entender, mas você e sua família, serão nesta época distante os porta vozes da verdade absoluta que permeia a criação, portanto tudo que você vivência neste momento é apenas preparação de algo que está por vir.  Este sentimento de impotência deve ser substituído por agradecimento e amor a este trabalho tão engrandecedor que é o de ser intermediário entre este plano e a vida terrena.
    Dito isto, acordei de súbito, ainda confuso se estava em casa ou naquele Jardim Encantado.  Este sonho me devolveu a serenidade.  O dia para mim iniciou-se com um outro colorido.  Suzana me pediu que não fosse pescar hoje porque gostaria que eu estivesse presente quando Adolfo chegasse.  Tomei meu desjejum sozinho, pois todos já haviam acordado, se alimentado e cuidavam de seus afazeres.
    Armanide entrou na sala irradiando felicidade, estava linda, toda vestida de azul, com os cabelos cacheados cuidadosamente presos por uma fita branca.  Quando me viu, me beijou e agarrada ao meu pescoço, falou:
    – Papai, obrigado por não ter ido pescar hoje, é muito importante para mim que você esteja presente quando Adolfo chegar.
    Respondi emocionado:
    – Filha, você sabe que a felicidade de meus filhos é o que há de mais importante para mim, portanto, não agradeça, considere o fato de ter ficado em casa como um gesto de amor.
    Suzana entrou em seguida, com Artur no colo, ladeada pelos gêmeos, quando me voltei e os vi se aproximando, pensei:
    – Grande Deus! Minha família se mantêm unida e aumentando pela força de sua interferência, quem sou eu para contestar se Uruãn mantêm minha vida sob seu jugo?  É obvio que existe um motivo para cada atitude dele e como posso me colocar como vitima se sou eu o beneficiado?
    Conversamos alegremente sobre a vida futura, tanto Suzana como Armanide traziam no semblante a leveza do dever cumprido e eu tentava absorver um pouco o equilíbrio destas duas mulheres que aceitaram as determinações do Grande Deus, sem buscar contestação em argumentos vis, que se baseiam apenas em privilegiar o ego.
    Por volta das dez horas, entraram correndo, Ana e Ligia dizendo que o noivo de Armanide estava chegando.  Um pequeno alvoroço se instalou dentro de casa, Suzana foi colocar Artur  no berço, as meninas maiores levaram os gêmeos para brincar no pomar, Armanide foi para o quarto e me pediu que a chamasse quando ele já tivesse se acomodado na sala.
    Restou para mim a tarefa de abrir a porta e recebê-lo:
    – Bom dia, Senhor! – disse Adolfo estendendo a mão – desta vez, me fitando profundamente.
    –  Bom dia Adolfo! – respondi – mas por favor, me chame de Aimanon, apesar de já ser um Senhor, prefiro ser chamado pelo nome.  Sente-se que Suzana já vem.
    – E Armanide? Ela não está em casa? – perguntou ansioso.
    – É claro que está, espere um instante que vou chamá-la.
    Fui até o quarto e vejo minha filha ajoelhada, orando, olhei ternamente para a cena e também me coloquei ao seu lado e pedi ao Grande Deus, em voz alta, que a protegesse e a conduzisse  nesta nova jornada.  Minha filha, com lágrimas nos olhos me abraçou longamente.
    Suzana, preocupada com minha demora, nos chamou, e disse que Adolfo acaba de dizer que acha que Armanide se recusa a sair do quarto porque não gostaria de desposá-lo.
    Limpei as lágrimas de minha filha e disse:
    – Vamos, o futuro te aguarda!
    Quando Adolfo a viu, levantou-se, segurou suas mãos, e falou pausadamente:
    – Armanide, tenho um grande amor por você e farei tudo que estiver ao meu alcance para te ver feliz, portanto, se ser minha esposa te fizer feliz, te garanto que seria o maior presente que poderia receber.
    Minha filha olhou fixamente para Adolfo, uma lágrima escorreu pela sua face, balbuciou emocionada:
    – Sim, Adolfo, quero ser sua esposa!
    Ele mal acreditava no que ouvia, pediu para que ela repetisse inúmeras vezes – ela gritava – sim, sim, sim… As crianças, apesar de estarem do lado de fora, estavam alertas para o que ocorria lá dentro, quando ouviram a irmã gritar daquela maneira, correram para dentro de casa e foi uma festa só, todos se abraçaram e demonstraram seu carinho pelo novo membro da família.
    Artur ficou embevecido, nunca tinha visto tanta demonstração de carinho, que conforme nos dissera depois, sua mãe tinha morrido quando ele nasceu, nunca tivera irmãos e foi criado por seu pai, que apesar de carinhoso, desejava casar-se novamente e quando Adolfo tinha treze anos, contraiu núpcias com uma jovem grega que nunca o tratou como seu filho, por isso seu pai desejava muito que ele se casasse e finalmente fosse morar em outro lugar.  Quando soube de seu amor por Armanide se prontificou em acompanhá-lo até o encontro comigo, mas perante minha resposta, exigiu que o filho buscasse outra noiva; como viu frustrada esta nova tentativa, expulsou-o de casa e desde este dia Adolfo não mais o viu. Sabe apenas que sua madrasta o abandonou e hoje vive só e doente, fato este que o deixa  muito preocupado, aguardando apenas o aceite de Armanide para lhe fazer uma visita.

continuação…

 

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